Assim como todo tema abstrato é subjetivo, a dor de uma pessoa também
é. Não há como mensurá-la senão pelas evidências demonstradas dia a dia. Cada
experiência de sofrimento se torna uma evolução da acedia, do desespero e da
angústia. Há indivíduo que enxerga a morte como a solução para os problemas. E ela
não deve ser considerada uma pessoa medrosa e sem coragem. Na verdade, esta
pessoa não aprendeu a sentir a eficácia da esperança para a continuação da
vida, nem tampouco entendeu o sentido da promessa da vida eterna – mais
subjetivo que isto só ignorando a própria fé no Salvador! (1 Tessalonicenses 1:8-10).
Neste sentido, a fé continua sendo o consciente imaginário da redenção e da
cura de tudo, enquanto o abraço, o beijo e a mão estendida são representações
da humanidade viva (Salmo 133).
Pessoas desejam a morte porque foram acometidas por doenças, por
rejeição, por descontroles emocionais e financeiros, por fracassos
profissionais, por enfraquecimento e perdas de relacionamentos, por luto e por
terapias paliativas a pacientes terminais, por incompreensões das convenções
sociais e por estigmas marginalizantes, por cores de pele, etnias e raças, por
ideologias políticas, econômicas e religiosas, por lendas e mitos, por nomes e
instituições, por mentira e fraudes, por ignorância e poder, por cargos e
salários, por engano e traição, por sexo e dinheiro, por deuses e magias, por
casados e solteiros, por preços e frivolidades, por discriminação, ira e ódio,
por mais armamento e assassinatos, por destruição e desvalorização da vida humana,
enfim pela finitude do ser. Pessoas preferem a morte porque o encanto da vida
deixou de ser romance, encanto, doçura e prazer. O maior milagre a ser proclamado
na sociedade atualmente seria o do chamado dos deprimidos e dos angustiados,
a fim de que todos eles(as) “levantem-se, aprumem-se” para a missão da vida.
E assim como Jesus disse ao enfermo: “Levanta-te, toma o teu leito, e anda”
(João 5:8, versão Bíblia ACF Online), a sociedade anseia que a igreja tenha
estas palavras de ânimo e motivação para os que sofrem de dores da alma veem na
proposta da vida a busca pela felicidade.
O verbo levantar-se (do grego egeirō) é o mesmo utilizado no
contexto da ressurreição. Há vários contextos linguísticos que este verbo pode
ser aplicado. A princípio, tem a ideia de estimular alguém a sair de uma
situação de inércia e vir para uma outra situação, a de movimento.
Podendo representar, por exemplo, o despertamento para uma nova tarefa ou
desafio a ser superado. Neste sentido, qualquer ação de levantar-se, despertar-se,
significa sair da inatividade e entrar para a atividade, sair da ruína e vir à
construção, sair da inexistência para a existência, sair do sono e despertar-se
para o trabalho, desistir da doença e degustar da cura, ausentar-se da
obscuridade e aproximar-se da transparência, entre outros. Em contextos de
aconselhamento, discipulado, orientação pastoral e fortalecimento de vínculos com
deprimidos e angustiados, as terapias recomendadas devem ser administradas com
base na teologia da ressurreição. Assim sendo, exige-se do(a) pastor(a) o
conhecimento das patologias e o discernimento acerca dos que atentam contra a
própria vida, a fim de que o ministério seja o de recuperação e o de restauração
de vidas. Por isto, e. g., a ministração da oração só será válida à luz da
compreensão de que ela [a oração] seja dialógica, isto é, mais mitológica do
que ritualística, mais expressiva do que simbólica, mais narrativa do que
paliativa, mais farmacológica do que hipocondríaca. A teologia fornece sim
ferramentas contra a angústia, a depressão e o suicídio. Mas é preciso
dominá-las exemplarmente. Para os que sofrem do atentado à própria vida, a
teologia não é uma ciência do “achismo”, nem dos magos e dos sindicalistas da
fé. Antes, ela pontua a fé como ação terapêutica para a redenção integral do
ser humano.
Os analíticos policiam a eutanásia porque buscam diagnósticos clínicos
e racionais, porquanto os continentais vigiam o suicídio como decadência da
sociedade moderna. E, nas comunidades cristãs, os clérigos condenam a auto
interrupção biológica como pecado sem perdão. A princípio, tal discurso não
deveria ser ignorado, mas aplaudido. Todavia, a longo prazo, esta mensagem é
acusadora e não produz efeito de acolhimento e redenção. E aqui há uma reflexão
bíblica e teológica: ora, então Cristo não morreu pelos que atentaram contra a
própria vida! Chamem os exegetas e os hermeneutas: (1) acaso Sansão não postula
uma história heroica sobre os filisteus por meio do suicídio? (Juízes 16); (2) acaso
não há equívocos nos dois relatos da morte do rei Saul; afinal, ele cometeu suicídio
ou foi morto? (1 Samuel 31 e 2 Samuel 1); e (3) Como interpretar o suicídio de
Judas Iscariotes? (Mateus 27:5). E, voltando agora para os leigos, sabe-se que
eles supervalorizam a espiritualidade do Alto, ou seja, dos que subiram o monte
e foram ver os gravetos pegarem fogo e, ao mesmo tempo, eles menosprezam os que
praticam as ações da Terra, porque são mais ativos diante da necessidade e do
sofrimento humano. Assim sendo, pergunta-se: somos mais partidários ao clero do
que ao laicato? Somos mais acadêmicos do que os membros das igrejas? Somos mais
teólogos da ressurreição do que os teólogos da crucificação? Afinal, diante da
realidade do suicídio, qual é a ação ministerial da igreja cristã?
O setembro é amarelo sim, mas só existe para a conscientização. Esta
ação deveria ser uma constante missional, isto é, “para todo o sempre”. A
pastoral não é para ser ostensiva aos que já tiraram a vida. Antes, ela tem que
ser preventiva e atuante aos detalhes que tornam a pessoa vulnerável ao sofrimento.
Há diferenças gritantes em um anúncio contra o pecado e um chamado à
graça de Cristo a favor do(a) pecador(a). A parênese sobre as consequências do
erro, vitupério, vilipêndio e falha, realizada inconsciente e irresponsavelmente
por líderes cristãos, pode afetar o(a) indivíduo [em sua individualidade] e torná-lo(la)
frágil, vulnerável e desorientado(a). A pregação contra o pecado tem afetado o(a)
pecador(a), a ponto dele(a) sentir-se a causa do pecado. E, uma vez vitimado(a)
pela prova do pecado em si, a dor do pecado finaliza-se na morte do(a) pecador(a)
– eis aqui o porquê da “igreja cristã” acusar os que se opõem ao discurso do
pecado para gerar o discurso da santidade. Tenhamos em mente o fenômeno dos estigmatas
(do grego stigmata, as marcas de Cristo) da Idade Medieval, com as quais
o(a) pecador(a) “curtia” as cicatrizes no corpo e que testemunhavam acerca de
sua fidelidade e experiência com a fé em Cristo. Na verdade, tais “espiritualidades”
mascaravam as epilepsias, os transtornos mentais e até mesmo as anorexias, as convulsões
nervosas e a auto-mutilação. Assim sendo, o que dizer acerca do crescente
número de pastores que cometeram suicídio? Acaso seria impensável uma
tanatopraxiologia em ambientes exclusivamente cristãos? A resposta é: “sim, é
inviável e impensável”. Assim sendo, a missão é a favor da vida, é a favor dos
detalhes que tornam a vida mais feliz, prazerosa e frutífera. Na medida em que
a felicidade ganha força e age em prol da vida humana, o desespero, a angústia
e a melancolia são enfraquecidos e se tornam inócuos na sociedade. Até aqui, a profecia
cristã já foi dita: o suicídio é como fermento; ele leveda, cresce, é invisível
e silencioso.
O pecado sempre será um mistério, mas a vida do(a) pecador(a) continuará
sendo uma constante descoberta. A igreja cristã não deveria escandalizar-se com
o pecado dos membros. Antes, ela deveria oferecer os ministérios de descobertas
sobre a vida das pessoas que creram em Cristo (II Coríntios 5:17). É
interessante observar quando vamos à seção de bebidas em um supermercado. Ali,
há muitos sabores [e fragrâncias]. Nos EUA (2003-2004, lembro-me de experimentar
uma cerveja com mel (Honey Porter da Samuel Adams), uma com banana (Banana
Bread Beer da Wells) e uma com perfume (Dragon’s Milk da New Holland Brewing).
Odiei todas, mas sabia que lá havia diversidade! A fé é em Cristo também promove
dinâmicas de descobertas: para uns a fé é a cura do câncer; para outros, ela é
a aprovação do(a) filho(a) no vestibular; talvez alguns pensem a fé em Cristo como
sendo a fidelidade à participação dos cultos e eventos da igreja; e talvez para
outros, a fé no Salvador é como uma competição consigo mesmo: quando mais fiel
à igreja, maiores são as [minhas] chances de obter a ‘identidade cristã’.
Todavia, a tendência é padronizar as experiências da fé em Cristo: “aqui
fala-se em línguas”, “aqui você tem revelação”; “aqui você expulsa o demônio”; “aqui
você fala com Deus”; “aqui, você é santo!”. De fato, os discursos existem, mas
não são para as descobertas de si e do encontro com Deus. São para indicar os
limites de atuação da liderança da igreja. Cada convertido(a) é uma vida que se
descobriu em Cristo e não há, na mesma comunidade, uma descoberta idêntica e
vivenciada por outro. Mas ao condenar estereótipos e biótipos, as comunidades cristãs
podem dificultar a aproximação de pessoas que desejam buscar o sentido da vida.
A igreja cristã é um lugar de bênção e promoção da vida, ela foi chamada para
ser a congregação dos pecadores justificados, dos pecadores santificados e dos
pecadores lavados [purificados] (1 Coríntios 6:1-11).
Uma das excelentes ferramentas contra o angustiado e deprimido é quando
ele(a) encontra nas igrejas cristãs o espaço para o acolhimento, a escuta e a confissão.
Portanto, não importa a denominação nem tampouco o estilo litúrgico e doutrinário
da comunidade. Importa sim que ela tenha ações de atendimentos às pessoas. São
nos momentos de acolhimento e de escuta que as pessoas criam laços de confiança,
credibilidade e confidencialidade; e lá acabam fortalecendo as diretrizes de
reconstrução de suas vidas. Excetuando os casos de gravidade jurídico-criminal,
nenhum caso é excludente do atendimento por comunidades cristãs. Cada comunidade
cristã deve ter a ciência de que ela é um sinal do reino de Deus, portanto uma
agência do serviço de resgate da criação. Neste momento, a liderança perceberá
se os ministérios existentes atuam a partir da abordagem do acolhimento e
escuta ou se são artifícios de promoção do stato quo religioso. Haverá sim
momentos em que a própria comunidade precisará requisitar ajuda mais elaborada,
a dos profissionais. Entenda isto: o trabalho pastoral atua na prática de
aconselhamento como orientação e fortalecimento de vínculos em perspectiva
religiosa, isto é, a de religar a criatura ao Criador; o psicólogo atua
na prática de terapias conversacionais, por meio de diagnóstico, prevenção e
tratamento de distúrbios mentais, emocionais e de personalidade, com vistas ao auxílio
da estabilidade psicológica do paciente; o psiquiatra atua na prática de
diagnóstico, prevenção e tratamento das pessoas que sofrem distúrbios de
doenças mentais, decorrentes ou não de ansiedade, depressão e dependência
química; o assistente social é o profissional que viabiliza os direitos sociais
chegarem até os necessitados, por meio de acesso às políticas públicas (saúde,
educação, saneamento etc.). Nenhuma ação pastoral é única e definitiva sobre a
luta contra o suicídio, ela é um tijolinho na construção do edifício (1
Coríntios 3).
Outra ferramenta é o da comunhão. Ou melhor, dos espaços e momentos da
relação de sororidade (entre irmãs) e fraternidade (entre irmãos), a partir dos
quais o(a) indivíduo é conectado pelo sentido da eclésia: uma organização
de pessoas vivas, unidas umas às outras pela fé em Cristo e pelo batismo do Espírito
Santo. Comumente, chamamos de apoio familiar, ou ainda, de membros da família
da fé. De fato, a comunhão é o maior empreendimento da igreja cristã no mundo,
pois fornece os fios da teia que constantemente é tecida para atar as conexões em rede em prol de vidas. O(a) indivíduo angustiado e deprimido
precisa sentir-se querido pela igreja, isto é, que ele(a) pertence à
comunidade.
Uma terceira ferramenta
estaria focada no(a) próprio(a) indivíduo. Ou seja, torná-lo(a) ciente de que a
vida dele(a) é um culto dedicado a Deus. Sim, a vida humana é constante louvor
e adoração a Deus – por isto a vida tem centralidade no papel de resgate e
redenção de todos os povos (etnias). Neste momento, o(a) pastor(a) é ponto chave
para religar a pessoa a Deus, inclusive reforçando o
argumento de que o amor divino (graça) está no contexto do culto a ser
oferecido (gratidão). Portanto, as liturgias são excelentes oportunidades de
tornar os cultos como práticas de inserção, participação, libertação e
compromisso.
Há muitas outras ferramentas.
Todas são destinadas para o exercício da missão da igreja no mundo. Hoje, estamos
cooperando com a conscientização acerca da prevenção contra o suicídio; e
concordamos sobre o papel da igreja cristã no mundo, isto é, ela está no
caminho e tem contribuído para o resgate de vidas.
Pela vida em Cristo, vivamos
todos!