domingo, 30 de julho de 2017

A reconquista


CAPÍTULO 1

A noite foi razoável. Poderia ter sido pior, se não fosse a ausência de vagas para estacionar. Dialogar com o carro em movimento é o mesmo que espaçar a conversa em monotons que distanciam o sentido e o significado das palavras. Balbuciar e grulhar são como adolescentes que, constantemente, usam gírias porque querem se perder no mundo das verbalizações. Seja como for, noite, manhã ou tarde, tudo fica a desejar se não há harmonia nas ações. Não adianta executar o sonho se as ricas oportunidades são imperfeitas.

Tentei ao máximo explicar o porquê deste encontro. Todavia, havia os impasses de ser mal interpretado em alguma colocação. Finalmente, uma vaga. Em frente aos inconvenientes entra-e-sai do portão do grande condomínio residencial. A versatilidade seria passear pelo quarteirão e sujeitar-se ao sereno, mas tudo bem: concordamos ser breve no assunto sobre a aproximação. Eu sempre acreditei no diálogo, mas naquele momento, parecia um monólogo: eu falava e eu mesmo escutava. É estranho falar consigo mesmo, mas é assim que acontece na experiência da reconquista: conversar comigo significou dar início à terapia da compreensão da vida.

Neste ínterim, passa a vizinha, D. Enxsha, uma russa que aprendeu a viver no Brasil, dizendo:

-- "Oi, Bryan. Por que não compra uma moto. É mais barato. Aí, você poderá colocar uma etiqueta no pescoço e dizer o seu preço. Até eu iria me candidatar" - falava ela com sotaque mais parecendo uma alemã, embora odiava que a chamasse de outra nacionalidade. Ela sempre insinuava-se fogosamente para mim. Até dizia-me que eu deveria tentar a carreira de ator pornográfico. 

-- "Que nada, Dona Enxsha! Não gosto de moto, porque já cai" - e é verdade (pensava comigo), pois esta máquina já me deu uma clavícula deslocada. "Pode deixar que vou pensar neste assunto. Mas se eu comprar uma, vou pedir ao meu amigo solteiro que leve a senhora para dar uma volta” - acenei dizendo um adeus e continuei minha conversa no carro. Ela gostava de mim, mas eu não suportava o cheiro de cigarro dela. A cada palavra enunciada, parecia uma bomba expelida de nicotina. E fiquei preocupado porque ela era conhecida como o leva-e-traz dos acontecimentos no condomínio. Enfim, todas as culturas têm semelhança, e até os russos são fofoqueiros.

Começou a chover forte. Relâmpagos e trovões anunciavam um dilúvio. Passamos cerca de vinte minutos observando a enxurrada levando os sacos de lixo pelas sarjetas. Era um cenário catastrófico, mas sentíamo-nos seguros. O carro era novo e era um excelente teste para sentir a vedação total dele.

Voltei à minha reflexão e meditação sobre o porquê estar ali contigo. Tive alguns mementos, mas concentrei-me na conversa. Afinal, aproximar é impossível para quem já conheceu todo o terreno. Tenho agora que reconquistar. E, para isto, vou usar a estratégia da raposa que dialogou com o menino em O Pequeno Príncipe. Cativar é "amar, é também carregar um pouquinho da dor que alguém tem pra levar". E você é responsável porque me cativou!


A fé será usada porque entendi que ninguém se aproxima ou se sujeita a cativar se não for uma ação divina! Então a obra é completa porque Deus está no controle. Ele é quem prescreve o roteiro de nossas vidas. Nós apenas cumprimos as funções dadas. Somos atores da peça divina. E a nossa liberdade consiste no privilégio de desfrutar deste serviço de encenação e atuação.

Neste sentido, sou o rejeitado que assumiu a função de reconquista. Sofrerei porque está escrito que devo agir assim, mas não serei aniquilado: faz parte do projeto de restauração. Não há sucesso sem provação, e, por isso, inicia-se a reconquista.

Então eu disse que iria entrar. Bati a porta do carro e despedi-me, falando em tom baixíssimo: "eu tenho a missão de te cativar".


Os pneus colocaram o carro em movimento. Saída rápida. A chuva havia enfraquecida. Então, registrei no livro da recepção: "hoje eu estreei a novela, e dei-lha o nome A reconquista".

domingo, 23 de julho de 2017

Pra Sempre


O girassol não é apenas a flor, recheada pelas pétalas e dezenas de sementes. Nem tampouco refere-se às ações de movimentos do astro-rei, alimentado o universo com seus raios e tornando-se as bioquímicas da energia produtora de outras biossínteses. Ele representa as dinâmicas da vontade de viver e os conflitos do medo de morrer. Afinal, o ser humano é vocacionado a experimentar a bênção de respirar e ser alma vivente, contudo sofre porque é consciente de sua brevidade neste mundo. 

Como ato divino, a experiência de conhecer, decidir e sentir adentra-se às fases através das quais cada ser vivo é destinado. Uma dessas fase é a do ser humano realmente vir à vida, com dores, choros, fome, constrições e descobertas. Cada desenvolvimento, passos da aprendizagem evolutiva da espécie, é uma relação de conhecimento, sabedoria e praxiologia. Conhecer significa matricular-se na universidade dos porquês em busca do entendimento acerca das funcionalidades. E o saber requer a especialização sobre as dicotomias que tornam cada assunto funcional, prático e contextual. O girassol é uma representação da fase do conhecimento, pois, através do desenvolvimento, faz o ser humano entender a função do viver como ser humano!

Segue-se à esta fase a de autocompreender-se e interpretar a missão de ser alguém neste mundo. É neste sentido que a tomada de decisão refere-se à complexidade das incertezas, dos conflitos, das negações e das biases. A volição é uma importante ferramenta para todos, ela é pacificadora, revolucionária e altamente violenta! Destina-se às escolhas que são feitas durante o desenvolvimento de ser alguém: as escolas, as amizades, as profissões, as religiões, as férias e, biologicamente falando, as paixões. Decidir sobre determinadas situações não é algo fácil, mas é preciso fazê-lo! Há sim lutas internas quando teme-se acerca das consequências, no entanto a decisão é um remédio preventivo. Não cura, mas alivia os sintomas. A decisão só é terapêutica quando ela é politicamente a favor da vida, expressão máxima da vontade de Deus. O girassol é um arquétipo das decisões a serem tomadas, em cada movimento enxerga diferentes perspectivas do cenário maior. Vive-se melhor, movimentando-se!

E, por último, há a fase intuitiva e instintiva de perceber a sensibilidade da vida, bem como da morte. Cada ser humano experimenta as sensações das “inas”: endorfinas, adrenalinas, serotoninas, entre outras. Todavia, é na experiência da psique, ou melhor, na percepção dos sentimentos e das emoções, que habita a estética da felicidade e da finitude da vida. É o momento do coração e da mente duelarem-se com o objetivo de tornar prevalente a missão de existência do ser. É, pois, assim que entende-se a eternidade do ser: “pra sempre”. Eis porque cada sentimento possibilita sensações diferentes. Na verdade, cada sensação deveria ser interpretada duplamente: uma para o momento, aquela que conduz à euforia, à felicidade, à alegria e à satisfação, enquanto a outra é para a ausência destas percepções e para a indução às antagônicas, ou seja, à antecipação da morte. O girassol prefigura os sentimentos da eternidade, conquanto a partir de um único girassol perpetua-se dezenas de outros mais, e assim por diante. Mas para viver eternamente, é preciso passar pela experiência da finitude! A fé é o veículo que garante esta passagem.


Enquanto ser humano ou alma vivente é preciso alimentar-se integralmente do conhecimento, das decisões tomadas e dos sentimentos percebidos. É necessário ter “bem clara e definida” a missão de existir eternamente. Pois é sem medo de errar que aproxima-se da coragem de acertar; bem como é com a vida que são vencidos os obstáculos da morte. É sim com o amor que derrota-se o mal, e é pela esperança que acredita-se na redenção! E foi pela cruz que a pedra foi removida! O girassol não é presságio da loucura van goghiana, mas do tempo e do espaço que a vida e morte humana acontecem.