Lembro-me de uma propaganda de creme
dental, cuja ênfase cinematográfica era a de demonstrar pessoas sorridentes, ou
melhor, extravasando suas arcadas dentárias, e pronunciando a famosa
interjeição “Ah” com frescor, suavidade, alento e, bem mais acentuado, de
existência.
Obviamente não irei falar da marca deste
produto. Quero sim trazer à memória o slogan
que o produto divulgava, isto é, ‘de bem com a vida’. A preservação da vida
continua sendo o maior investimento da humanidade. Nenhum interesse deve ser superior
àquele que protege ou mantém a vida, desde a anterior concepção até o vindouro
tempo aiônico (eterno). A vida é a marca que precisa ser divulgada, seja nas
relações da humanidade, da natureza e dos universos como também das angústias,
dos medos, das doenças e da morte. Se há a identificação do fôlego, então o
espírito vivente se manifesta, metamorfoseando-se em ar, luz, som, unidades conjuntivas
complexidades integralizadas e as plēreumas
organizadas. Cada ser humano é em si a divulgação do produto vida.
A vida é o maior produto do desejo do Absconditus, cujo resultado é vir à existência.
E, sendo a manifestação do hálito divino, ela não pode ser negociada. Não há
dinheiro que compre a vida, mas certamente há preços que patrocinam a morte! A
fé, por exemplo, é a divulgação que a Vida tem feito em toda a história da
criação. Ela é o ato profuso da salvação eterna sendo conquistado. E, neste
sentido, há os que diariamente morrem porque se negam a aceitar o mistério da
vida que emerge da fé. Quem vende a fé ou faz uso indevido dela criminaliza a
missão dos viventes e rejeita a possibilidade da redenção integral. Por esta
razão, Deus jamais é ou será negociado, pois ele é abundante vida aos que
creem.
Ao nascer, a criança é expelida para fora
e, mediante alguns ritos de inicialização fisiológica muscular involuntária e
independente, o líquido dos seus pulmões é expulso, causando-lha fortes dores no
aparelho respiratório e ocasionando sofrimento. Ao chorar, interpreta-se que
ela ‘nasceu’, ou melhor, chegou ao mundo. Contudo, esta mesma explicação também
foi divulgada em ampla literatura bíblica, pois “Então Javé Deus modelou o
homem com a argila do solo, soprou-lhe nas narinas o sopro de vida, e o homem
tornou-se um ser vivente” (Bíblia Edição Pastoral, Gênesis 2:7). Nesta
narrativa não é dito sobre o choro da humanidade (Adão e Eva), mas menciona
sobre o ‘fôlego/sopro de vida’ – isto é, o choro ao nascer é a sonoplastia da
propaganda da vida.
Para os semitas, o ato de respirar, então,
significou receber o Rua´ Yahweh (Espírito de Deus) e ‘chorar’ é a
confirmação de que nascer significa viver a vida. E para os ocidentais, o Pneuma tou Theou (Hálito/Vento/Espírito
de Deus) é a capacidade divinamente recebida de compreender e fielmente cumprir
a missão do resgate da vida. Portanto, o fôlego da vida é um dom missionário
divino dado a cada ser existente. E esta existência para a vida pode ser
mensurada pelas expressões do pensar, sentir, falar, criar, aprender, pertencer
e amar. A vida impõe-nos a exigência da linguagem, da afetividade e da
perpetualidade. O futuro é imortal porque sempre havemos existir. O presente é
possível porque somos “o um para o outro”. E, finalmente, o passado é aceitável
porque sabemos interpretar como foi a experiência da vida. Mais uma vez, a
experiência da criação resulta sim na apropriação de respirar a fé.
Minha argumentação é apresentar a
existência humana como uma grande sala de aula, cujo conteúdo é o ensino e o aprendizado
sobre como respirar a fé. Não se trata de exercícios aeróbicos ou da avaliação
de capacidade pulmonar. Nem tampouco a correção dos ruptos noturnos ou dos odores
socialmente desagradáveis. Trata-se da assimilação extática e extraordinária do
fôlego que nos dá a consciência de existência como resultado da benevolência e da
soberania divina. E, mais ainda, diz respeito à adesão dos mandatos
sobrenaturais da própria fé, ou seja, comprometer-se responsavelmente com todas
as ações proativas à preservação e manutenção da vida. É mais que um estudo
filosófico, teológico e biológico. Refere-se à dinâmica de que este conteúdo está
gratuitamente disponível para todos os entes a tornarem-se verdadeiramente os
aspirantes da fé. Ao respirar, cada um enche-se do Espírito de Deus e expira as
ações que hão de transformar radical e socialmente os promotores da morte! Há
sim muitos que aprenderam parte deste currículo, ou seja, sabem perfeitamente
apropriar-se dos mandatos divinos, mas são incapazes de exalar serviços
terapêuticos da vida. Por isto, a morte também chega para os denominados ‘possuídos
de Deus’. A respiração da fé sempre é mão de duas vias. Enche-se de todas as
virtudes e conhecimento da vontade de Deus, e esvazia-se através de ministérios
redentores da criação.
Em contrapartida, a noção de que iremos
deixar de existir é ontológica, cada um de nós é consciente da finitude. Faz
parte da vida a sensação da súbita interrupção orgânica. Por isto o sofrimento
pela vida é perene – e é errado abreviar esta demanda. Pois, o fôlego é o
frescor do sorriso dado pela Vida em cada manhã, é a fricção bilabial dos
amantes em constantes trocas de fluídos, é a descarga dos espasmos de si dentro
do outro, é o êxtase da viagem sem combustível e condução, é a concretização do
já e ainda não. A vida sempre é um presente porque ajuda-nos a superar a
proximidade da partida.
A baixa autoestima é o terceiro indicativo
de que há doentes da fé, seguido pela indiferença com a ecologia. Mas é a
violência com o próximo que julgo ser o terceiro indicador da morte. É claro
que o tema do amor divide-se entre esses três. O amor a si mesmo preconiza a auto
aceitação, estimula a vivência baseada em cuidados, desenvolvimento
psicossocial e maturidade existencial. É a resiliência de viver o sofrimento de
si. E o que dizer a respeito do amor ao meio ambiente? Afinal, precisamos de
água, oxigênio, plantas, animais, enfim precisamos da Natureza. Não significa
ser animistas, mas sim entender a “ânima” (animus)
dos elementos da criação. Significa ainda relacionar-se a ponto de compreender
a extensão de cada um deles em nós! Cada ato contra a natureza é uma violência
à vida. Neste sentido, devemos ser educados para “habitar a casa” (oikos, ecos
= casa). Já o amor ao próximo exige o entendimento acerca do encontro da metade
que há de tornar-se juntamente o inteiro. Cada um torna-se o todo ao existir
para o outro. É o amor fraternal, o da relação de pessoas, o do convívio entre
seres, o da harmonia de amar “as carnes”, “é o pastor que conhece as ovelhas
pelo nome, pelo cheiro”. É “o ajuntamento de pessoas em constantes movimentos”
(L. Wirth).
Para finalizar, julgo o entendimento acerca
do fôlego da vida como sendo a dinâmica da espiritualidade humana. Ou seja, a espiritualidade
é o resultado de como cada um se coloca disponível para entender sobre a ação
do Espírito de Deus em si. É também a resposta a esta entendimento, que
corresponde geralmente ao compromisso de ser um agente promotor da ação deste
Espírito. Em palavras mais simples, amar a si, a natureza e o próximo significa
responder à respiração da fé. A integridade e a fidelidade à respiração da fé
divulgam a espiritualidade dos comprometidos com o slogan da vida. Eles são conscientes do “Ah! De bem com a vida”.