A vida é como um enunciado de
estado. Fala-se uma frase e, analiticamente, reconhece-se dimensões dos estados
da alma. Ou ainda, em orações com períodos longos, percebe-se as nuances dos
sentimentos expressos pela vivência e experiência humanas. Ninguém é isento de
enunciados de estado, afinal todos são vítimas das emoções. Cada um de nós é
foco dos sentimentos, cuja alma recebe dialeticamente as vicissitudes da
própria caminhada e da busca pela existência consciente no mundo. Ignorar a
identificação dos estados de alma é sucumbir às doenças sociais pós-modernas,
sendo a depressão a maior delas. Sendo assim, a maior emoção sentida é a de
viver.
Os enunciados de estados são dois.
Um é de posse e o outro é o privação. A posse se caracteriza por aquilo que se adquire,
ganha, recebe, conquista, obtém, etc. “Eu comprei um carro” é um tipo de
enunciado característico da posse. Não importa o mecanismo de articulação ou
lógica de argumentação, pois no final a construção das sentenças é para
elucidar e persuadir a todos, visto que o sujeito é a vítima da posse. Já a
privação opõe-se fortemente ao estado de posse. “Cheguei ao serviço hoje e anunciaram-me
que havia sido demitido”. Havia um empregado e, depois do anúncio, passou-se
haver um desempregado. Posse e privação são, portanto, o foco dos enunciados.
Deve-se atentar para a construção de como eles se articulam, pois é desse
efeito de transição entre os enunciados que são identificadas as emoções.
Até aqui, pode-se entender a
dinâmica da vida como a transição entre os estados de alma, caracterizados
pelos enunciados de estado de posse e de privação. E, uma vez identificados,
analisa-se as emoções. Por exemplo, o que é a felicidade senão uma satisfação,
um contentamento? Mas quando vista pela análise destes estados,
então a felicidade passa a ser os itens que sustentam e revelam estas emoções. Por
isso alguns “sentimentos” serão, muitas vezes, simbolicamente representados por
objetos reais da vida humana, sejam eles eufóricos (positivos) ou disfóricos
(negativos). Estudar e compreender as emoções são excelentes oportunidades para
conhecer os limites de superação do ser humano. Neste sentido, as emoções são
indicadores dos níveis de satisfação e de insatisfação.
O que é a saudade? Afinal, é uma palavra cuja descrição semântica
só é existente em Língua Portuguesa. Saudade
é uma cicatriz causada pela lembrança eterna de alguém que amamos e que, pela
jornada da existência, a perdemos. Ela é um período sem fim, através do qual há
estímulos acerca de nossa formação (“morphosis”, desenvolvimento e comportamento social) e transformação (“metamorphosis”,
maturação e identidade). A saudade sempre será um estado de privação, mas que
será superada pela enorme quantidade de posses conquistadas. “Não se mata a
saudade, vive-se dela”. Deve se pensar na saudade como um dom divino, cujo
objetivo é viver na esperança de ver a Deus face a face. A saudade é o destino
das utopias, nunca será alcançada, mas sempre existirá como o alvo a ser conquistado.
Quem já perdeu alguém, experimenta a saudade dia a dia. Vive-se
liturgicamente o luto da lembrança. As reminiscências são atos celebrativos,
cujos ritos reforçam a perda e amenizam a dor. A saudade é sim uma cicatriz
porque sinaliza a vida em aperfeiçoamento, tanto pelos sentimentos e pelas emoções,
como pela volição e pela razão. Saudade é a habilidade de lidar consigo mesmo,
seja melancólico ou eufórico, pois é através dela que descobre-se a experiência
da saudade que havia na vida de alguém. E ela sóé verdadeira porque é o resultado
do campo da alteridade. É a descoberta da relação do “eu” com “você”. Enfim, a
saudade é de você, nunca de mim mesmo!
Quem já amou e não conseguiu mantê-lo, vive da ilusão da
saudade. Sim, a saudade ilude à medida que não se entende a lição ensinada. Vive-se
na busca de paliativos: sexo, dinheiro, drogas, jogos, bebidas, etc. Diz-se que
os melhores placebos são os para a saudade, e eles vêm embrulhados em formato
social de ‘pequenas simpatias’ ou mesmo ‘crendices populares’. Mas a melhor
saudade é a do amor, porque ela revela a força de amar eternamente e a fraqueza
de deixá-lo escapar. A saudade do amor é o motor de quem acredita na esperança,
ou mesmo de quem crê no reencontro, ou mesmo de quem deposita toda a vida na
expectativa de redenção futura. Não se vive para o futuro, espera-se nele. Não
se vive para o passado, aprende-se dele. Vive-se para o presente acreditando. Crer
é o aprendizado da saudade do amor, porque faz-nos viver eternamente.
A força da saudade não nos controla, ela inclina-nos à
organização da vida. Quem bem alimenta as suas saudades, frutifica-se com lembranças,
esperanças, futuridade e alteridade. Trata-se de alguém que mais se preocupa em
aproximar-se da força de si do que deixar que as convenções sociais forcem-no a
fazer. A saudade é um ímã que atrai as pessoas para o entendimento e as repele da
angústia. Não há vida sem a presença da saudade!
Há uma única cicatriz da saudade, mas ela é alimentada por
muitas experiências da vida, sendo o amor a maior delas.