domingo, 21 de junho de 2015

Partida e retorno





Vim só para te avisar: "em breve, partirei"
Sendo assim, vou viajar. Lá, me tornarei
Resíduo para adubar. E de semente ser Rei
Em cova, hei de descansar. Lembre-se: "ressuscitarei"

A semente não vai germinar. Apenas lembranças serei
Duas gotas d'água a tomar. Das veias da terra, beberei 
E depois da dor de cear. A seiva final derramarei
Para todos, a vida a celebrar. Liturgia eterna cantarei

No túmulo, calafrios hão me acompanhar. Congelarei
Porque no silêncio, o som está a aumentar. Adoecerei
E no madeiro, corpo podre a deteriorar. Desaparecerei 
Na redenção final, ossos limpos a ficar. Remodelarei

Após a decomposição, o dia vem a acalentar. Cozinharei
E as muitas partes do modelo hão de formar. Renovarei 
As vozes vivas haverão de se comunicar. Proclamarei
No meu mundo, a alegria está a me despertar. Liderarei

Ao novo povo, a morte a deletar. A eternidade a todos darei
E energia divina e pura a todos a curar. O Espírito de vida concederei
Rios de amor a despejar. Porque dos leitos a todos levantarei 
Sementes lançarei à terra a germinar. E frutos produzirei

Na nova sociedade, hei de reinar. Rememore-se: "andarei"
Meus súditos serão discípulos da justiça a administrar: todos conduzirei
Sem excessão, todos virão a mim visitar. Aqui os perdoarei
Agora, posso anunciar: "meu reino estabelecerei"

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Caçando a felicidade





A felicidade é uma frequente busca. É como a caça ao tesouro perdido. Ou ainda, é a utopia das emoções paradisíacas. Ela não é algo inconquistável, mas várias batalhas de uma única guerra. Cada um de nós é como soldado alforjado em busca de ações que nos dê a sensação de prazer, conquista, poder, satisfação e realização. A busca, então, é a caça que fazemos diariamente para afirmar que estamos felizes. 


Ser feliz não é só uma sensação do estado de espírito. É a consciência de que estamos batalhando em trincheiras, nas quais, muitas vezes, é o tipo de luta que precisamos para ganhar a felicidade. Por exemplo, o emprego que almejamos, mas que será conquistado por meio de concursos. Por mais que hajam vagas, a luta é sempre pelo extermínio de outros. De fato, a minha felicidade não é porque passei, mas porque consegui eliminar muitos... Emprego é a ilusão da caça que se faz pelo ideal de felicidade.


Outra batalha a ser vencida é a do dinheiro. Diz-se que o dinheiro compra a felicidade e, sendo assim, cada um de nós tem um preço. Há uma música que diz sobre as pessoas procurando a “etiqueta de preço” (Price Tag) porque julgam que as vendas vêm em primeiro lugar. O que dizer disso? Só posso afirmar que, devido à essa metodologia do pensar, as exigências éticas foram totalmente ignoradas e a verdade vem sendo negligenciada. O futuro será aquela sociedade na qual cada cidadão é identificado pela etiqueta de preço. Neste sentido, a felicidade é uma etiqueta cujo preço é marcado pela ausência da ética.


E o que dizer do amor? Esse sim é o objetivo da felicidade. Falo do amor erótico, aquele que sentimos a paixão como diretriz da vida! Esse tipo de amor se contrapõe ao faz emergir as sensações de realização, conquista e, acima de tudo, poder. Neste sentido, o “poder” é sinônimo de “dever”. Todo mundo deve ser feliz, cada um com dimensões diferenciadas, mas todos têm tal direito. A felicidade é significativamente as dinâmicas do amor. A satisfação ou realização é a caça que precisamos prender e saciar-se dela. Os depressivos sofrem desesperadamente porque não conseguem definir a caça do amor.


Há outras batalhas precursoras da felicidade, todavia quero falar sobre a luta dos relacionamentos. Essa é indiscutivelmente a mais difícil. Pessoas se relacionam entre si por causa de minuciosos jogos de interesse. A batalha consiste justamente na identificação objetiva de cada um desses jogos. A pessoa que está contigo pode te trair e fazê-lo “perdedor” durante e no final do jogo. Os relacionamentos são descrições de contratos sociais, através dos quais são percebidas as lacunas de suspeições, atrevimentos e impensáveis dissoluções da parceria. Neste sentido, a união de pessoas não é a melhor forma de felicidade, mas a intensidade e as provas que um pode demonstrar para o outro. Os infiéis exemplificam o porquê da felicidade nos relacionamentos ser uma catástrofe. Talvez, a busca pelos relacionamentos esteja no encontro de si mesmo e na disseminação da alegria interior ser projetada para o alcance de outros. Ninguém amará o próximo se a si mesmo não julgar-se a potência da relação feliz.


Quero terminar, considerando que a garantia da vida é como sendo a caça frequente que fazemos para ser feliz. Uns encontram-na posição que exercem pelo trabalho. Afinal, a qualificação profissional é a prova do emprego conquistado. Quem é “formado”, mas não exerce a profissão, acaba frustrando-se. Quem já conquistou, vive na busca incansável de “defender” o território. E há outros que têm na avareza a sutil e inócua garantia da felicidade. São os consumidores viciados no ganho e uso do dinheiro. Também são os emissários do diabo nas estratégias da compra e venda da alma humana. E há também os iludidos pela busca afrodisíaca da eroticidade, da paixão, da carne, da libido – esses representam o devaneio dos desejos desenfreados. Hoje, a sociedade é o caos da libido sem freio. Por fim, há os que destinam-se para o outro. É a alteridade impondo as regras do jogo: ser feliz consigo mesmo para que o outro se contagie e seja alcançado por ti.
 
Agora vou sair. Vou à caça. Quero ser feliz e devo ser feliz!

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Transparência






Amanhã, deixarei que me abram para que vejam aquilo que já sei. Afinal, os alquimistas conseguirão entender o que significa religiosamente viver a esperança dos sufrágios. Neste sentido, “abrir-se” é como uma desvelação humana, é como sair da existência para entrar na essência. O objetivo último de todos nós é tornar-se essência com o Numinoso. Não precisamos de diagnóstico, mas de diretrizes que nos colocam no caminho da eternidade. Ao deitar-me na maca, como cobaia da dessecação, serei corpo inerte, sem ação, sem vontades, mas estarei vivo porque artificialmente serei sustentado por máquinas e eletrodos. Estes últimos serão sensores, indicando minha existência... Porquanto, na anestesia do corpo, sentirei o silêncio ausentando-se da vida e presenciarei a chegada do aguilhão.

Por isto quem antecipa a intimidade com o Grandioso é, sem dúvida, os que já não conseguirão mais gozar desta felicidade carnal, nem desta nuance terrena de euforias sexuais e, nem mesmo dessa mistura de fluídos seminais e, muito menos ainda, dos sentimentos deleitosos. Eles são os que entenderam a missão sem fim, aquela missão que nunca atinge o alvo, nem cumpre profecias, nem realiza sonhos. Mas uma missão que inaugura novos alvos, novos desejos, novos sonhos, enfim, novas dimensões. A futuridade sempre se inicia com o fim dos guerreiros bravos, destemidos e fiéis. O único combate conquistado é o da fé: afinal, sem ela nem o amor próprio é conquistado, apenas se torna ludibriador das emoções e dos sentimentos.
 
E, como já disse, preciso ser aberto para ser revelado. Não é fácil ser transparente em mundo de opacidade. Não é vantagem querer ser feliz se o ambiente é de sofrimento. Nem é bom para a alma amar alguém que sempre irá te rejeitar. A transparência é a ilusão dos que buscam a verdade através dos comportamentos. “Quantos são os portais de transparência se é a corrupção quem faz iludir a própria verdade”? Para mim, a transparência é a satisfação plena que tenho, quando sei que há alguém em quem eu possa depositar todas as minhas inquietações: esse alguém sempre será o foco da minha verdade, da minha alegria e do meu amor. Transparência é a essência da felicidade, da verdade e do amor.


Todavia, há alguns que foram iludidos pela falsa transparência. Não se contentam com o meu testemunho. Eles precisam me abrir para encontrar as vísceras, as veias e os músculos. As vísceras, porque querem mexer nelas e fazer-me sentir o opróbio dos mortais. As veias, porque sabem que sou energizado pelos fluxos que dinamizam todo o meu organismo. E, dos músculos, porque querem me machucar, costurar, marcar, perfurar e desenhar. Tenho sido os “pings” e “pongs” das buscas pela transparência. Meu corpo é o fascínio de que há algo sobrenatural, enquanto minha alma é a secreta volição de minha essência. E o meu espírito, que diz-me acerca da eternidade, já vem dando-me a compreensão de que os axiomas dos que me rodeiam são “temporais”. Afinal, a minha competência foi compreendida como inimiga das vantagens e oportunidades. Eles não podem agarrá-las, e também não permitem que eu as tenha.  


Neste sentido, quando me abrirem, vão encontrar um espelho. Não o de Machado. Meu mesmo. Um que não refletirá a imagem, nem a essência, mas a autoimagem. Afinal, a transparência é o reflexo de si mesmo, conquanto nele mensura-se os valores que hão perpetuar-se eternamente. 

sexta-feira, 6 de março de 2015

Guerra do Medo






Ontem você me procurou para dizer que tem medo de viver a vida. Sim, viver a vida. Geralmente, a humanidade tem medo da morte, mas não da vida. Afinal, a vida é a satisfação de nossa consciência de que existimos. E é “em vida” que aprendemos a crer na essência de ser eterno.

Viver a vida amedronta sim. Não é porque ela seja horrível ou, em contraponto, fascinante. É porque viver é uma missão, assim como morrer também é uma missão. Se não formos conscientes deste princípio, então perdemos as ricas oportunidades de aprender a controlar, a contornar, a superar e, graciosamente, a vencer o medo. Viver, então, é um aprendizado. E, muitas vezes, o conteúdo dessa aprendizagem é exatamente o medo.

                                                                        
O medo causa-nos a vivência da antecipação do sofrimento. O medo conduz-nos à ansiedade – que é um princípio da morte. E a nossa “humanidade” é cheia de motivos ansiosos. Até mesmo um relacionamento mal construído poderá ser interpretado como sofrimento. Imaginemos, pois, um casamento às vésperas de ser consumado, mas que poderá ser interrompido por causa da ansiedade. A ansiedade é um preço caro, pago por situações que nem aconteceram. Mas ela tem que plantar a semente em nossa consciência a fim de conduzir-nos à angústia, ao sofrimento, ao desespero, enfim ao medo de encarar a missão de viver.

Imaginemos uma doença... e que não há cura para ela. Resta-nos somente a fé. A fé é mais que resiliência, é o dom de acreditar com esperança, é a experiência de que a cura não é a resposta certa, é a certeza de que o clímax da missão terá seu desfecho no “cumprimento da vontade de Deus”. Crer é, assim, a responsabilidade de cumprir a missão. Porque, de fato, somos construtores da criação e, no plano salvífico, resgata-se a alma. “Porque aprendi a estar contente em todas as situações”.

Vencer o medo é o nosso alvo, mas há várias batalhas. Pelo menos, três. A primeira batalha é que cada um de nós precisa autoconhecer-se, aprender os limites de suas forças, de seus equipamentos de segurança, de seus mecanismos de defesa, de suas habilidades e competências profissionais e, principalmente a abrir-se para o mundo do inimigo. Sem autoconhecimento é impossível entrar na guerra – por isso, há muitos que ficam na dependência de outros. A segunda é uma batalha mais árdua de ser conquistada por nós hoje. Trata-se da rede de relacionamentos que devemos criar. Falo da família, dos amigos, das parcerias institucionais, das aventuras, do lazer e do prazer. Todos estes, saudavelmente construídos. E, por último, a batalha de aceitar-se como humano. A mortalidade não é o nosso fim. Temos que definitivamente aprender a deixar o legado da “bios” para iniciar o legado do “aiwnion”.



O sofrimento é como trincheiras da batalha que enfrentamos dia a dia. Mas a guerra a ser vencida é a do medo.