CAPÍTULO 1
A noite foi razoável. Poderia ter sido pior, se
não fosse a ausência de vagas para estacionar. Dialogar com o carro em
movimento é o mesmo que espaçar a conversa em monotons que distanciam o sentido
e o significado das palavras. Balbuciar e grulhar são como adolescentes que,
constantemente, usam gírias porque querem se perder no mundo das verbalizações.
Seja como for, noite, manhã ou tarde, tudo fica a desejar se não há harmonia
nas ações. Não adianta executar o sonho se as ricas oportunidades são imperfeitas.
Tentei ao máximo explicar o porquê deste
encontro. Todavia, havia os impasses de ser mal interpretado em alguma
colocação. Finalmente, uma vaga. Em frente aos inconvenientes entra-e-sai do
portão do grande condomínio residencial. A versatilidade seria passear pelo
quarteirão e sujeitar-se ao sereno, mas tudo bem: concordamos ser breve no
assunto sobre a aproximação. Eu sempre acreditei no diálogo, mas naquele
momento, parecia um monólogo: eu falava e eu mesmo escutava. É estranho falar
consigo mesmo, mas é assim que acontece na experiência da reconquista: conversar comigo significou
dar início à terapia da compreensão da vida.
Neste ínterim, passa a vizinha, D. Enxsha, uma
russa que aprendeu a viver no Brasil, dizendo:
-- "Oi, Bryan. Por que não compra uma moto. É
mais barato. Aí, você poderá colocar uma etiqueta
no pescoço e dizer o seu preço. Até eu iria me candidatar" - falava ela
com sotaque mais parecendo uma alemã, embora odiava que a chamasse de outra
nacionalidade. Ela sempre insinuava-se fogosamente para mim. Até dizia-me que eu deveria tentar a carreira de ator pornográfico.
-- "Que nada, Dona Enxsha! Não gosto de
moto, porque já cai" - e é verdade (pensava comigo), pois esta máquina já
me deu uma clavícula deslocada. "Pode deixar que vou pensar neste assunto.
Mas se eu comprar uma, vou pedir ao meu amigo solteiro que leve a senhora para dar uma
volta” - acenei dizendo um adeus e continuei minha conversa no carro. Ela
gostava de mim, mas eu não suportava o cheiro de cigarro dela. A cada palavra
enunciada, parecia uma bomba expelida de nicotina. E fiquei preocupado porque
ela era conhecida como o leva-e-traz dos acontecimentos no condomínio. Enfim, todas
as culturas têm semelhança, e até os russos são fofoqueiros.
Começou a chover forte. Relâmpagos e trovões anunciavam um dilúvio. Passamos
cerca de vinte minutos observando a enxurrada levando os sacos de lixo pelas
sarjetas. Era um cenário catastrófico, mas sentíamo-nos seguros. O carro era
novo e era um excelente teste para sentir a vedação total dele.
Voltei à minha reflexão e meditação sobre o porquê estar ali contigo. Tive alguns mementos, mas concentrei-me na conversa. Afinal, aproximar é impossível para quem já conheceu todo o terreno. Tenho agora que
reconquistar. E, para isto, vou usar a estratégia da raposa que dialogou com o
menino em O Pequeno Príncipe. Cativar é "amar, é também carregar um
pouquinho da dor que alguém tem pra levar". E você é responsável porque me
cativou!
A fé será usada porque entendi que ninguém se aproxima ou se sujeita a
cativar se não for uma ação divina! Então a obra é completa porque Deus está no
controle. Ele é quem prescreve o roteiro de nossas vidas. Nós apenas cumprimos
as funções dadas. Somos atores da peça divina. E a nossa liberdade consiste no
privilégio de desfrutar deste serviço de encenação e atuação.
Neste sentido, sou o rejeitado que assumiu a função de reconquista. Sofrerei
porque está escrito que devo agir assim, mas não serei aniquilado: faz parte do
projeto de restauração. Não há sucesso sem provação, e, por isso, inicia-se a
reconquista.
Então eu disse que iria entrar. Bati a porta do carro e despedi-me, falando
em tom baixíssimo: "eu tenho a missão de te cativar".
Os pneus colocaram o carro em movimento. Saída rápida. A chuva havia
enfraquecida. Então, registrei no livro da recepção: "hoje eu estreei a
novela, e dei-lha o nome A reconquista".