terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

PLANTINGA JR., Cornelius. Not the Way It's Supposed to Be: A Breviary of Sin. Grand Rapids, MI: Wm. E. Eerdmans Publishing Co., 1995, 202 páginas.


PLANTINGA JR., Cornelius. Not the Way It's Supposed to Be: A Breviary of Sin. Grand Rapids, MI: Wm. E. Eerdmans Publishing Co., 1995, 202 páginas.

Em março de 2004, tive o privilégio de conhecer pessoalmente o Dr. Plantinga em uma visita que fiz ao Calvin Theological Seminary em Grand Rapids, Michigan. Naquela ocasião, adentrei também à sala do Dr. Carlos Bosma que me orientou sobre a presidencia de Plantinga desde os idos de 2002. Já se passaram 7 anos e ele continua na liderança da escola. Em suas próprias palavras, sua visão para o Calvin é "o evangelho se tornará a nota base que sustenta e acompanha tudo o que fizermos e pensarmos". Sua formação acadêmica nos permite dizer que ele é referência na área de teologia sistemática e pinceladas em temas da teologia prática. Lecionou no Princeton e no Fuller, além de vasta experiência em faculdades e universidades. Sua abordagem de leitura crítica é reformada com fortes recortes da teologia contextual, o que nos permite se deliciar com a leitura densa e profunda. 

A presente obra refere-se ao ajuntamento das anotações e reflexões do autor sobre o tema do pecado, queda, corrupção, vício, ataques e lutas em mais de dez anos. A primeira publicação é de 1995 com a estrutura de 10 capítulos temáticos, além de um epílogo e um índice onomástico e de assunto. Já no prefácio, Plantinga deixa-nos esclarecido sobre o objetivo do livro: "meu alvo, então, é renovar o conhecimento de uma realidade persistente que costuma evocar em nós o medo, o ódio e a aflição...é renovar nossa memória acerca da integridade e afiar nossos olhos para a beleza da graça" (página xiii), ou seja, partindo de uma compreensão acerca do pecado, ele oferece-nos um guia para o roteiroda graça. Para ele,

"pecado é sempre um afastamento da norma e que precìsa ser avaliada as consequencias. Pecado é desviar-se dos padrões e ser perverso, praticar uma injustiça ou iniquidade ou ingratidão. Na literatura do Êxodo, pecado é desordem e desobediência. Pecado é a falta de fidelidade (fé), a ausência de lei e adesão ao ateísmo. Pecado é tanto a coragem de ultrapassar uma linha como o fracasso de não poder alcançá-la - ambas são transgressões e atalhos. Pecado é a falta de objetivo, a exploração das posses, as manchas do vestuário, o puxão de tapete na caminhada de alguém, o desvio do caminho e a fragmentação do todo. Pecado é aquilo que culpavelmente atormenta a shalom. A vida pecaminosa humana é uma caricatura da própria vida humana... O pecado é terrivelmente um poderoso explorador do bem, mas que no final não conseguirá dominar tanto o projeto de Deus original como o da renovaçao no mundo... O pecado é um parasita (...) que não constrói a shalom, mas, sim, que a vandaliza. O bem é original, independente e construtivo. O mal é derivado, dependente e destrutivo" (p. 88s).

Plantinga convida-nos também a enxergar a confissão de pecados como sendo a retirada dos amontoados de lixo para fora, ou seja, uma só vez não é o suficiente. Para que isso então se realize, é preciso, sim, ter uma breve teologia do pecado, pois a "autodecepção sobre os nossos pecados é como um narcótico, um tranquilizante e uma supressão desorientada de nosso sistema nervoso-espiritual central" (p. xiii). Precisamos com urgência "renovar nossa memória com o conteúdo da integridade da criação e afiar nossos olhos para a beleza da graça" (p. xiii).

Na Introdução (p. 1-6), o autor esclarece a estrutura de como será esquadrinhado o roteiro do pecado. É um verdadeiro caminhar sobre o vale da sombra da morte. Ele admite que a função do pecado e: (a) distorcer o nosso caráter, uma característica central de nossa humanidade genuína; (b) ocasionar e resultar em nossa miséria; (c) cauterizar nossas mentes sobre a imoralidade, (d) afastar-nos das orientações bíblicas, ou seja, sem lei e sem fidelidade, (e) cegar-nos acerca da morte, e (f) desviar-nos e desligar-nos da relação com o Criador. Portanto, o pecado não é somente rompimento, mas também resistência à redenção. Essa introdução é uma excelente aula inaugural para a disciplina de Teologia Sistemática, cuja abordagem trará à luz o porquê do pecado ser tão destrutivo e violento. Considerando o termo alienação como sinônimo para pecado, é excelente descritivo para Sociologia, Antropologia, Psicologia e Filosofia. Embora o autor não faz nenhuma citação de Tillich, certamente o significado de pecado está relacionado com sua teologia.

O capítulo primeiro é intitulado O vandalismo da shalom (p. 7-27) e o autor teve a preocupação de esboçar o caminho que o pecado traçou para que a humanidade resista à possibilidade da redenção. Através de ilustrações do Grand Canyon, de Santo Agostinho, a fome na Etiópia e dois jovens na sala de aula, ele estruturou sua argumentação em três tópicos: (a) o conceito de shalom cuja ênfase é sobre os textos proféticos de que o "muro está no prumo". Estabelecer a shalom é quando Deus conserta as coisas, dá prumo aos muros, é "o florescimento universal, integral e prazeroso" (p. 10) e eu diria estabelecer a saúde integral da criação; (b) o conceito de pecado cuja ênfase é sobre o rompimento da humanidade com Deus, a ruptura da aliança vista penitencialmente no Salmo 51:1-4 e a prática daquilo que desagrada a Deus e nos torna culpados; e (c) a distinção entre interescolar e intermural, ou seja, diferenças entre crime, imoralidade e doença, levando-nos ao brejo das definições teológicas e filosóficas. Vale ainda ressaltar que, na tradição calvinista, a compreensão de que nós somos pecadores desde a concepção nos torna conscientes sobre a doutrina da redenção. Sendo assim, não podemos vandalizar (destruir) a integralidade da shalom.

No capítulo segundo, Plantinga alerta-nos sobre a Higiene espiritual e a corrupção (p. 28-38) que, em palavras curtas, tratou acerca da integridade do pecado original. A palavra chave é corrução, ou seja, a responsável pela destruição de nossa santidade e a consequente acusação de que somos culpados e, por isso, não é possível a justificação. Plantinga interpreta Gênesis 1-3 a partir de duas definições fundamentais, quais sejam: (a) o pecado nos corrompe, pois ele coloca em separado o que Deus juntou e ajunta o que Deus separou; (b) o pecado nos torna essencialmente despojadores (roubadores), pois conseguimos remover aquilo que preserva nossa integridade. Para Agostinho, o pecado nos promove à corrupção, e para Calvino, nós temos naturalmente a disposição para pecar. A proposta de possuirmos ou praticarmos uma higiene espiritual consiste no entendimento de que houve a (a) criaçao (a ordem divina sobre a maneira de classificar e separar), a (b) anticriação (a ruptura que promoveu a queda humana perante o Criador) e a (c) recriação (a promessa de justificação, o que signifca propriamente a graça recebida). Integridade consiste em recuperar a fé em Deus. Aliás, é, sim, necessário dizer que a fé é o início da jornada que nos conduz à disciplina acerca de uma espiritualidade autêntica. Ela nos conduz à obediência e fidelidade a Deus. Essa compreensão nos levará à liberdade e ao poder de vencer o pecado. Para mim, devemos ansiar a prática da justiça (tsadiq) que nos conduzirá ao aumento da shalom no mundo.

Das páginas 39 a 51, registra-se o capítulo terceiro com o título de Perversão, poluição e desintegração. É interessante observar a construção teológica que Plantinga faz a respeito dessa tríade. Todas são consequências da corrupção. Sobre a perversão, ele a ilustra através do ambiente da política: "se vocë quer eleger-se, deve vender o que o povo está comprando" (p. 40). "A perversão é uma doença de fins e propósitos" (p. 40). A maneira de nos defendermos dela é sempre avaliarmos a nossa bondade praticada. A poluição é semanticamente quando nos manchamos com lama (impurezas), causando-nos distanciamente de Deus. Nos textos bíblicos, a lama que nos mancha é a idolatria e o adultério. Por fim, a desintegração é a pior (se é que posso dizer o que é pior quando se fala de corrupção), pois suas consequências são o prelúdio e pósludio da morte (finitude). Ela promove a divisão em tudo, inclusive aos que acabaram de dividir. Por isso, o pecado foi entendido como espinho na carne em toda a tradição cristã. Para os pais da Igreja, em especial por Atanásio, como amor mortis (a morte do amor), cujo pessimismo perpetuou-se grandemente. Eis porque o trabalho de Cristo foi o de anunciar a redenção, converter-nos ao processo de reconstrução da imagem de Deus.

Se não bastasse o que já foi dito sobre corrupção, fiquei admirado com a eloquência de Plantinga ao descrever O progresso da corrupção (p. 52-77), no capítulo quarto. Ele introduz essa temática através de três ilustrações cuja conclusão é que o pecado sempre produzirá mais pecados. Lembro-me do que o nosso presidente disse em uma entrevista, "O problema da mentira é que, para sustentar a primeira mentira, você deverá sempre mentir" (Lula, entrevista). "O pecado é como uma árvore do mal, sempre produzirá frutos corruptos" (Segunda Confissão Helvética, resposta 8). Para Agostinho, o pecado é fatal e fértil, atinge a família e cresce nas cidades por meio da violência, terrorismo, segregação e opressão. A corrupção nos vicia, cria em nós a dependência, a insegurança e o desajustamento psicológico e social. Somos ansiosos e falhamos em qualquer projeto de confiança. Preferimos a soberba e a sensualidade à humildade e à prudência. Somos frutos de uma geração perversa que, naturalmente, perpetuamos as próximas gerações. Plantinga chama-nos atenção para a distinção entre motivos, contextos e causas da corrupção para que saibamos entender o que signifca um povo digno diante de Deus, ou seja, quando podemos assegurar nosso senso de responsabilidade. O contexto evangélico brasileiro seria vergonhoso se eu falasse acerca da avalanche de novas denominações que surgem a cada dia, decorrentes da irresponsabilidade de líderes e organizações. Aqueles que não nos remete nenhuma responsabilidade, não fazem parte do povo de Deus, eles pertencem ao mistério da iniquidade (2Ts 2:7), usam o nome de Satanás para desviar-se das responsabilidades. Afinal, Satanás nos tenta, nos ataca, nos intimida, nos culpa e nos aborda, mas jamais nos coage (tem poder sobre), nos tira a coragem, nos condena e nos faz calar. Indico este capítulo aos líderes evangélicos brasileiros para que, mediante profunda introspecção, consiga pensar sobre o sistema de liderança que promove corruptos e não responsáveis.

Parasita (p. 78-95) é o título do quinto capítulo cuja argumentação baseia-se em dois tópicos. O primeiro é sobre ironias e híbridos. Parasita é aquele que se aloja em um outro organismo e se alimenta dele. A princípio não causa mal nenhum, todavia depois de um tempo arruiná-lhe a vida. Ironia é usada no sentido de que o bem de hoje é o mal de amanhã, por exemplo, as cruzadas foram responsáveis pela libertação de Jerusalém, no entanto aumentou a inimizade entre cristãos e muçulmanos. A ortodoxia católica promoveu a defesa da fé, mas também queimou na fogueira. Em nós habita o bem e o mal, somos híbridos. Há, para Plantinga, três complicações: (a) a soberba nos torna narcisistas, (b) a soberba nos faz pensar que somos grandes e (c) a soberba nos cega para o entendimento das virtudes e valores. É relevante pensar que a soberba está em nós, muitas vezes imperceptível, alimentando-se de nossa pressunção e arrogância. Alguém, por exemplo, que está em função de poder pode achar-se naturalmente merecedor, mas nunca admitirá soberba (arrogância) se tiver que ceder seu lugar a outrém. O segundo tópico é sobre carência e parasita, ou seja, a dupla que fará oposiçao constantemente à criação e redenção. Plantinga diz que a carência e o parasita geram em nós o processo anti (anti-lei, anti-justiça, anti-Deus, anti-Espírito e anti-vida). É como um vírus que atinge o organismo e, devido à nossa carência, cega-nos. As complicações são: (a) somos mais atraídos à iniquidade, (b) sentimos dramaticamente prazer na prática da maldade e (c) disfarçamos a iniquidade porque sabemos imitar o bem e o mal. O alerta é o seguinte: o parasita está em nós cuja função é tirar-nos a vitalidade.

O capítulo sexto (p. 96- 112) discorre melhor sobre a metáfora do disfarce. Com o título de Mascarado, Plantinga afirma que o pecado produz em nós a roupagem da hipocrisia, vestindo-nos com (a) a máscara da sanidade, dizendo que temos uma consciência ativa, mas que na verdade maquiamos falsamente a verdade e conseguimos ludibriar outros a também serem imitadores dela; também vestimos (b) a máscara de moralidade pública, ou seja, queremos denunciar a sujeira, mas resistimos ao envolvimento completo para erradicá-la; (c) a máscara do auto-logro (fraude), pois cada um de nós, conscientes acerca do pecado, sabe defender-se poderosamente quando somos denunciados por ele. Somos lobos em peles de cordeiros; por exemplo, todo moralista é um grande depravado. Praticar a verdade é a arma libertadora que nos conduzirá à santidade.

Pecado e Leviandade é o tema do capítulo sétimo (p. 113- 128). A tese do autor é que o pecado gera em nós a delinquência, ou seja, a insensatez, a incapacidade de julgar, a insensibilidade de discernir entre o certo e o errado, entre o perigo e a segurança, entre a sabedoria e a ignorância. Plantinga descreve o roteiro da insensatez no mundo, cuja promoção é desalinhar a humanidade diante de um projeto de preservação da vida e da ordem divina. O objetivo da insensatez é promover as loucuras adoradas pela humanidade caída. Este capítulo é relevante para nos aproximar do temor a Deus e criar em nós o significado de discernimento, que é o princípio para exercer a sabedoria. Líderes precisam entender que sabedoria não é uma aptidão cognitiva, mas, sim, aquela que é capaz de gerar a prática do amor diante das realidades percebidas. A sabedoria provém do conhecimento de Deus e, para adquirí-la, precisamos nos aproximar dele.

O capítulo oitavo (p. 129-149) é um hino ao entendimento acerca da dependência do pecado. Sobre o título de A tragédia do vício, Plantinga nos convida a entender o projeto de Deus para nossa espiritualidade (disciplina cristã), em outras palavras, ao nosso sentido de responsabilidade e liberdade humana. O objetivo do vício é tornar nosso desejo sem rumo e sem controle, conduzindo-nos à obsessão, à posse e, oportunamente, ao desespero. Em cada uma dessas sessões, há fortes indícios da prática cíclica, levando o indivíduo ao retorno sem fim. É nesse momento que devemos saber julgar o que é culturalmente vício e o que é teologicamente tragédia. Os viciados são pecadores cujo quadro é tragicamente pintado porque eles são incapazes de se verem como criaturas de Deus, eles se identificam plenamente com a queda do que com a redenção. Eis porque o trabalho com os que não enxergam resgate para si é difícil e o retorno é pequeno. Qual ministério é mais dinâmico para a eclesiologia contemporânea: investir em clínica de recuperação ou ter um grupo de intercessão por viciados?

Qual é a tarefa diária do pecado? É o Ataque, diz Plantinga em seu capítulo nono (p. 150-172). A ilustração é feita com o paralelo de sermos quebrados. Ou seja, paus e pedras quebram nossos ossos, mas as mentiras quebram nosso coração (mente). É interessante saber que o ataque do pecado à nossa mente predispõe-nos ao erro, à agressividade e à inveja. Sobre essa última, o autor amplia mais ainda o conceito. "O que o invejoso quer não é, primeiro de tudo, obter o que o outro tem, mas, sim, querer que o outro não obtenha". A inveja, naturalmente, levará a pessoa ao ressentimento, ao orgulho e à destruição. Devemos lembrar que o resentimento é um sentimento gerado pela raiva, algo que não admitimos em nossos padrões cristãos. Somente o sentido de saúde integral (shalom) é que poderemos defender-nos do ataque do pecado.

Por fim, o capítulo dez (p. 173- 197) recebeu o nome de Voo e necessita de explicação. Trata acerca das ferramentas usadas pelo pecado para exercer o domínio sobre nós. Nesse sentido, a idéia de pecado faz-nos conscientes de que somos responsáveis e é por meio dessa responsabilidade que adquirimos autoridade. Então, diante de Deus, tornamo-nos agentes da restauração e não devemos dar evasão para o pecado. Entretanto, Plantinga nos auxilia acerca de oito fugas que o pecado nos oferece: (1) a conformidade deve ser distinta da obediência, ou seja, enquanto a obediência é socialmente forte, a conformidade é entendida como fraqueza pessoal; (2) a conivência é quando fechamos os olhos para a prática da injustiça e levamos outros a ver da mesma forma, em geral não queremos nos comprometer; (3) a ignorância é quando não queremos ser os párocos de nossa cidade, é achar que a cidade jaz no maligno; (4) a arrogância intelectual pode dizer-no que somos especialistas, mas que não somos sensíveis ao pecado; (5) minimizar a gravidade do erro, ou seja, estar disposto a pagar apenas uma parte do débito e não todo ele; (6) trilhar um caminho mancando sempre, cujas desculpas são feitas diretamente a Deus; (7) optar por viver no casulo (isolado), costumeiramente diz que não precisa da igreja; e (8) por fim, alegrando-se com outros para o caminho da morte.

O texto de Plantinga é altamente relevante para o contexto religioso brasileiro e, após refinada leitura, posso elencá-lo como um leitura desafiadora para a construção de nossa espiritualidade integral. Indico-o totalmente para os professores de teologia sistemática e teologia prática, cujas ênfases serão notórias à construção do saber teológico e da educação cristã. Para os alunos de teologia, diria que a leitura deveria ser reportativa, ou melhor, reprodutiva, tipo descrever como cada capítulo iria moldar nosso caráter e de vários membros de nossas comunidades.
Resenhas feitas pelo professor  Ênio Caldeira Pinto