Não quero ser mais um a gastar linhas tentando diferenciar a relação que há entre visão, planejamento e execução. É comum generalizar e/ou reduzir essa diferenciação com o termo “liderança”. Essa é a orientação do termo bíblico cháris, carisma, poder, atração, controle. Designa também o “presente”, a dádiva divina concedida a alguns que exercerão ministérios nas comunidades cristãs. É o dom designado para pastor, bispo, ancião, diácono, etc (Efésios 4:1-16).
Semântica e praxiologicamente existe, sim, diferença. A visão é a habilidade de sonhar, interpretar a necessidade, de ver e perceber a vontade de Deus para a comunidade. Alguém que passa por uma comunidade cristã, cuja membresia se constitui de analfabetos, deve sonhar um projeto educacional. Em uma região de crianças doentes com verminoses, há que perceber o saneamento básico através das unidades de postos de saúde, dos tratamentos de água e esgoto e das orientações de higiene pessoal. E, ainda, em uma situação de ignorância teológica, há a necessidade de ver as pessoas tendo acesso ao conhecimento de Deus. É visualizar uma escola de educação teológico-cristã. Os visionários são os diretores, os sócios-majoritários, os empreendedores, os pastores-senior e outros, das grandes organizações. Eles são os maiores investidores do reino de Deus.
Os planejadores são os que arquitetam, maquinam, desenvolvem projetos. Eles estabelecem as diretrizes da execução. Gastam tempo em cálculos, finanças, recursos humanos, estratégias e legislação. São os antecipadores do caos. Eles podem prever a eficácia do empreendimento, o volume dos esforços físicos e humanos a serem requisitados e o alcance das atividades propostas. Os planejadores elaboram o sucesso dos visionários. Eles projetam as metas e as ações estratégicas de todo o arcabouço da visão. A habilidade dos planejadores é percebida em situações de conquistas e de fracasso. Uma rodovia mal planejada pode significar o inchaço dos trânsitos e decorrer em fluxos negativos de impostos, lazer e obstáculos urbanos. Já uma rodovia bem planejada ajudará a escoar o fluxo de automóveis, a diminuir a concentração de poluentes nocivos à saúde humana, a aumentar a arrecadação e fazer os motoristas curtirem seus passeios e trabalhos. Os planejadores são os arquitetos, os gerentes de recursos humanos, os publicitários, os projetistas, os pastores das agências e organizações missionárias, da manutenção e orçamento das comunidades. Sem planejamento não há como dar rumos à visão.
O último grupo é o dos executores, aqueles que vão ler os projetos e tornar visível o sonho. Eles são a força braçal, bruta e lapidada, necessária às exigência do projeto. Eles vão “fazer acontecer”, dando forma, cor e essência aos ambientes criados. Ninguém, por exemplo, adentraria a uma capela que fora construída debaixo do viaduto. Ou um vaso sanitário ao lado dos armários da cozinha. Os executores vivem sob constante pressão dos visionários e planejadores, além dos prazos e dos cortes do orçamento. Um projeto missionário em Angola, por exemplo, para o custeio de um casal de missionários, sem filhos, não ficará por menos de U$ 3000 mensais. Juntando com a previsão da agência administradora, a estimativa chegará aos U$ 5000 mensais. Na hora de selecionar os candidatos, a orientação é que esse casal seja hábil de executar a demanda da agência. Alguns conseguem, outros precisariam de mais ajuda à execução. Eis porque há o retorno prematuro de muitos missionários do campo. Sem o constante apoio dos planejadores e visionários, os executores não podem realizar a obra. Os executores são os empregados/operários, a mão-de-obra, os profissionais, os membros das comunidades (clero e laicato), todos os capacitados e/ou em processo de capacitação.
Embora reconheçamos que há breves diferenças entre os visionários, planejadores e executores, é muito comum a redução interpretativa deles como sendo “líderes”. Espera-se de um pastor de uma comunidade a capacidade de conceber o sonho, de planejar e, também, o de executá-lo. Ele seria o super homem da igreja - éssa compreensão que predomina em nossas comunidades.
Em meados dos anos 70, do século passado, os cursos de Administração e de Propaganda e Marketing deram novas diretrizes à tríade de lideranças. Entendeu-se que há, em demasia, dois grandes grupos, os que lideram e os que administram. A liderança está mais para a habilidade de governar, cuja praticidade se dá quando elevado número de pessoas voluntaria e/ou normativamente decidem seguir o líder. É a influência do líder sobre os liderados, numa completa relação de poder, alguém que manda e outro que obedece.
A administração também é uma doação divina, especialmente para os que executam tarefas, os que colocam a máquina para funcionar, dando continuidade, desenvolvimento e harmonia na governabilidade dos líderes. Os administradores são responsáveis pela eficácia e eficiência dos líderes, percebida exemplarmente nos projetos, nas idéias e nos discursos. Os administradores eliminam os obstáculos não percebidos pelos líderes. Eles tornam em realidade aquilo que os líderes “pensaram”. É natural que aceitemos a terminologia “líder” para governantes e administradores. Afinal, eles têm grupos para liderar/administrar.
Como já afirmei antes, esse reducionismo também aconteceu nas comunidades cristãs. As matrizes curriculares dos cursos teológicos perceberam que tais habilidades carismáticas advinham do fato do indivíduo ser ordenado pastor(a). Agrupavam ao título de pastor a eloquência das pregações (homilias), dos aconselhamentos (pastorais) e dos programas (administração). O pastor tinha que sonhar, planejar e executar.
A conclusão que tenho é nem todo líder é administrador, bem como vice-versa. Não conheço muitos líderes-pastores. Entretanto, conheço milhares de administradores-pastores. O líder é capaz de sonhar a transformação, nele se encontra a essência da visão. Ele detém o poder de não deixar a visão morrer. Ele sabe que Jesus é o salvador do mundo. O administrador quer ser o líder, mas reconhece pessoalmente que lhe falta o carisma. Então, ele arquiteta e planeja estratégias de conquista pessoal. Os que sabem ser administradores têm exercido excelentes ministérios e caminham em paz com os visionários. Já os inconformados, tentam ainda alinhar as forças produtivas apenas para lhe fazer líder. Socorro, esses são perigosos. Em uma das teorias sociológicas estudadas, eles são tanto os líderes manipuladores como os líderes fantoches.
No evangelicalismo brasileiro há muitos (milhares?) administradores-pastores. Basta analisar a avalanche de empreendimentos sem pé e sem cabeça oferecida dia-a-dia. Eles enganam a comunidade oferecendo as visões que tiveram. Visões sem possibilidades de planejamento e execução. Temos que entender a liderança como força evangélica que moverá a sociedade a partir do conceito bíblico do fermento: imperceptível, silencioso e estratégico.
Ultimamente, os administradores-pastores estão atraindo para si a função dos visionários. Há mais de 40 anos que não percebo presença de evangélicos visionários para o Brasil. Percebo, sim, tentativas. De todos os sonhos já revelados, nenhum vingou. Mas reconheço que a solução está nas mãos dos administradores-pastores. Eles precisam ser “seduzidos” por uma boa visão e planejamento. E uma vez recrutados, hão de tornar visível a maior obra do mundo: o reino de Deus.
Eu tenho consciência da minha habilidade dada por Deus. Também sou consciente que faço parte de um “projeto”, no qual minhas habilidades são únicas e essenciais. Então só resta executá-las. E é claro que somente as farei diante de um projeto que emancipe o reino de Deus. Não posso participar de projetos escusos, alheios à vontade do Pai e sem ética e moral. Tenho orgulho de ter participado de uma instituição que está “preparando vidas para servir o reino de Deus”.