Há dias que anseio derramar minhas densas lágrimas
E, ao descer pela face, marcar-me-iam como fio de esgrimas
Não é flagelação, mas alívio da tensão de baixa
autoestima
Não tenho abraço, nem ombro para isso; nem há rima
Tentei adormecer para descansar a mente morta
Acordei na noite angustiado, nem vi a fechada porta
A visão embaçada deu-me a interpretação torta
Eu havia partido para sempre, gelada aorta
O único movimento era da minha transcendente essência
Já desabitara a matéria da realidade para ser só consciência
Nova dimensão haveria de conquistar, a de eterna
vivência
Deixaria de ser corpo para virar substância de etérea
ausência
Não há doutrina contra a teologia do vindouro acontecimento
Pois a fé na esperança do retorno é a antecipação do
avivamento
Por isso, o desespero é a passagem para o conforto no
lamento
Morrer não é pecado. Pecado é não querer viver. Odeio
estarrecimento
Então liberei-me per
se. Comecei a vagar pelas utopias
Desejava despedir-me de quem mais amei. “Rua sem vias”
Queria sentir a última noite, abraçado em alguém: só
nostalgias
Ansiava proclamar aos frágeis e pequeninos infindáveis
alegrias
Foi-me dada a oportunidade da ressuscitação, mas a
rejeitei
É que ficaria sofrendo pelas sequelas de abandono de
quem amei
Foi-me oferecida a possibilidade de sono temporário,
também recusei
É que não veria mais você: seria um vegetal. Então, divaguei
Voei para o Norte porque lá há riqueza em abundância
Você ficou no Sul porque preferiu a fraqueza em
consonância
Teus amigos é que te forçam à moleza da magna
dissonância
Você me rejeitou pela destreza da medíocre memória e
arrogância
Eu sempre retornarei à vida por causa das tuas
lembranças
Porque no futuro não haverá espaços de aleijadas andanças
De tempos em tempos morrerei, como “looper” de assassina
bonança
Você não viverá como eu viverei, porque desistiu do
amor pela dança
Ouço batidas na porta. Não posso abrir. Sou espírito
contrito
Chamam por meu nome. Não posso responder. Estou aflito
Arrombaram a porta. Não podem mais me encontrar.
Queimado frito
No dia anterior, meu codinome. Poeta para compor.
Testamento proscrito.
Hoje tenho
ciência do futuro destino que me resta: céu vai estar
É melhor apenas te alertar quanto ao que busco: “spes
et fides” a aguardar
Alma não chora, sente. Então as lágrimas não têm poder
de curar
Vou continuar vivendo na ilusão de te alcançar, em
espírito quando voltar
Eu nasci em junho, porque tudo na vida se vive pela
metade
Embora mais velho, sei que uma das desistências foi
pela idade
A outra, mais grave, foi porque o corpo sofreu de
doença da sociedade
Eu já parti e não estou mais contigo: resultado de tua
pura crueldade
Morrer é viver eternamente na saudade.