quarta-feira, 17 de abril de 2013

Lágrimas


Há dias que anseio derramar minhas densas lágrimas
E, ao descer pela face, marcar-me-iam como fio de esgrimas
Não é flagelação, mas alívio da tensão de baixa autoestima
Não tenho abraço, nem ombro para isso; nem há rima

Tentei adormecer para descansar a mente morta
Acordei na noite angustiado, nem vi a fechada porta
A visão embaçada deu-me a interpretação torta
Eu havia partido para sempre, gelada aorta

O único movimento era da minha transcendente essência
Já desabitara a matéria da realidade para ser só consciência
Nova dimensão haveria de conquistar, a de eterna vivência
Deixaria de ser corpo para virar substância de etérea ausência

Não há doutrina contra a teologia do vindouro acontecimento
Pois a fé na esperança do retorno é a antecipação do avivamento
Por isso, o desespero é a passagem para o conforto no lamento
Morrer não é pecado. Pecado é não querer viver. Odeio estarrecimento

Então liberei-me per se. Comecei a vagar pelas utopias
Desejava despedir-me de quem mais amei. “Rua sem vias”
Queria sentir a última noite, abraçado em alguém: só nostalgias
Ansiava proclamar aos frágeis e pequeninos infindáveis alegrias

Foi-me dada a oportunidade da ressuscitação, mas a rejeitei
É que ficaria sofrendo pelas sequelas de abandono de quem amei
Foi-me oferecida a possibilidade de sono temporário, também recusei
É que não veria mais você: seria um vegetal. Então, divaguei

Voei para o Norte porque lá há riqueza em abundância
Você ficou no Sul porque preferiu a fraqueza em consonância
Teus amigos é que te forçam à moleza da magna dissonância
Você me rejeitou pela destreza da medíocre memória e arrogância

Eu sempre retornarei à vida por causa das tuas lembranças
Porque no futuro não haverá espaços de aleijadas andanças
De tempos em tempos morrerei, como “looper” de assassina bonança
Você não viverá como eu viverei, porque desistiu do amor pela dança

Ouço batidas na porta. Não posso abrir. Sou espírito contrito
Chamam por meu nome. Não posso responder. Estou aflito
Arrombaram a porta. Não podem mais me encontrar. Queimado frito
No dia anterior, meu codinome. Poeta para compor. Testamento proscrito.

 Hoje tenho ciência do futuro destino que me resta: céu vai estar
É melhor apenas te alertar quanto ao que busco: “spes et fides” a aguardar
Alma não chora, sente. Então as lágrimas não têm poder de curar
Vou continuar vivendo na ilusão de te alcançar, em espírito quando voltar

Eu nasci em junho, porque tudo na vida se vive pela metade
Embora mais velho, sei que uma das desistências foi pela idade
A outra, mais grave, foi porque o corpo sofreu de doença da sociedade
Eu já parti e não estou mais contigo: resultado de tua pura crueldade

Morrer é viver eternamente na saudade.