terça-feira, 9 de abril de 2013

Teologia Contextual



Hoje conheci uma jovem mãe de duas crianças, vítima de três convalescências: (a) é usuária de drogas pesadas, ainda dependente dos alucinógenos, (b) é sexualmente ativa, ninfomaníaca, e (c) é divorciada, sem direito à guarda dos filhos. Foi agraciada há sete anos com a mensagem de salvação. Como falar de restauração para alguém que está sendo integralmente dilacerada pelas consequências da destruição humana (leia-se pecado).
Ela já passou por várias denominações evangélicas porque tem sempre acreditado numa mensagem de completa restauração. Mas em nenhuma delas, conseguiu livrar-se dos entorpecentes e nem sequer reaver os filhos. Há aqui uma configuração do tratamento do corpo (drogas e sexo) e da alma (maternidade, procriação). Essa jovem vive um imaginário de redenção que nunca existiu, não existe e jamais existirá. Ela tem sido enganada com vãs mensagens que não trabalham a ordem das representações sociais na recuperação e cuidado de pessoas. Já ouviu dizer que Deus tem preparado o melhor para ela e que a vontade dele é melhor do que a drogras e do divórcio pela qual tem passado!
É certo que as mensagens evangélicas usurpam do uso de metáforas (comparações figurativas para representação dos imaginários). Fala-se de um reino vindouro, cheio de paz e justiça e com calçadas de ouro, mas esquece-se de que os ouvintes vivem em uma democracia repleta de violência e injustiça e com buracos de corrupção e propinas. Todos os sermões pregados são mitos! São homilias repletas de palavras capazes de gerar a transformação do ser, a redenção da coletividade e a realização dos sonhos destruídos. Mensagens cristãs são vetores de reconstrução, nunca de manipulação. As mensagens evangélicas não deveriam configurar um mundo ausente de realizações. Pregar é tornar possível a transformação da realidade, é anunciar os meios, as maneiras, os jeitos, de como o reino se realiza. Primeiro na pessoa, depois na sociedade. Pregadores não são fabricantes de sermões, mas transformadores de vidas.
Voltemos à jovem mãe. A primeira ação que a Mensagem do Evangelho (kérigma) fará a ela é o de confrontar o seu pensar sobre o mundo criado por Deus. Ninguém precisa dizer para ela isso! É a própria mensagem que construirá o significado e o sentido proposto por Deus. Por isso, nenhum aconselhameno pastoral é válido quando tomado na perspectiva “diretiva”. Precisamos deixar a Palavra fazer o trabalho dela. Precisamos deixar que as pessoas se descubram pela Palavra. Em muitas crises de santidade, percebe-se a falha na leitura individual da Palavra (vida devocional). Contudo, os líderes pensam que a oração deles ou a fidelidade em participar nos “trabalhos” da igreja é que resolvem a crise. Com exceção dos analfabetos, nenhuma das atividades da igreja substitui a leitura pessoal da Palavra. Essa mãe já recebeu esse confronto, ela já conheceu a Palavra – e continua, sim, pecando, só que é preciso que o conhecimento da Palavra faça o efeito. Pecar é o sinal de que a Palavra está fazendo efeito na vida das pessoas. É nesse momento que os líderes precisam discernir e demonstrar amor e misericórdia com o erro da pessoa. É, sim, “fazer vistas grossas”, sem desconsiderar a gravidade do erro. O únio efeito repentino da conversão é a adesão à fé em Cristo, depois desse ato toda a caminhada é confrontacional.
A segunda ação que irá acontecer na vida dessa mãe é que ela entenderá o sentido do envolvimento (koinonia). Ela saberá que doravante há uma família que lha acolhe. A família da fé não é substituta, em nenhum momento, da família de origem. A comunidade dos santos e fiéis é um adicional que irá fazer diferença na redenção dessa jovem mãe. A coinonia é terapêutica na medida em que serve de apoio e reforço nas convalescências. A finalidade é sempre estar disposta a ajudar, a socorrer os machucados. Essa jovem mãe contou-me que quando faltava aos cultos, nunca ouviu alguém dizer: “nossa, você não veio no culto. Fez muita falta. O corpo não estava completo”. Ela nunca sentiu-se pertencer à família da fé. Não existe cura da alma, do ser, se a comunidade não vive a coinonia. O sentimento de pertencer acontece quando a pessoa entende que ela “funciona” na comunidade, ou seja, ela percebe a função a desempenhar. E não são os mecanismos de orar em público, fazer uma leitura no culto, ajudar no berçário – pertencer é exercer a dádiva de abençoar alguém. Os machucados precisam saber que são fontes de bênção na coinonia. O pecador está na eclesia para abençoar e ser abençoado. Na conversa que tive, essa jovem mãe não experimentou ainda esse nível de participação na comunidade. Ela anseia querer fazer (ou ser) parte do corpo. É aqui que muitos picuinhas sociais se tornam empecilhos, tais como: critérios para ser membro da igreja, condição da situação civil (divorciada) para exercer algum cargo, etc. O fato é que há sempre desafios para os líderes promoveram a ação restauradora – esses desafios surgem dos moralismos não sociais.
A terceira ação se liga à segunda e são, meritoriamente, interdependentes. A coinonia é um ato de inclusão. A pessoa sentirá que um milagre estará acontecendo em sua vida. A inclusão indica que o processo de purificação começou e há de se completar. Os excluídos não sofrem da impureza que tem, mas do preconceito que recebem. A jovem mãe foi, sim, acolhida por um ato ministerial. Os sistemas e organismos de inclusão não podem ser vistos tão somente pelos profissionais da ação social. Como igreja, os ministérios promovem o milagre da preservação da vida e, nesse sentido, a jovem mãe pertence ao Corpo e decide caminhar com ele. Os milagres descritos nos Evangelhos são ricos exemplos de inclusão social (curas, eorcismos, ressurreição, fenômeno da natureza, etc) e deveriam servir de fundamentos para o ensino de inclusão. Pena que os atuais movimentos descrevem milagres de batalhas com o demônio…
As comunidades devem oferecer a leitura da Palavra (confronto), a oportunidade de se envolver (coinonia) e o processo de purificação (inclusão) para poder admitir uma possível redenção integral.