segunda-feira, 8 de abril de 2013

Por que é dificil praticar a piedade?


É muito comum em nossa caminhada cristã estabelecer fundamentos como sustentação para a prática da espiritualidade. Orar, ler a Palavra, cantar, exercer a misericórdia, entre outros são excelentes exemplos de como nos identificarmos como cristãos. Quero comentar sobre um fundamento que está sendo ignorado nos últimos anos. Falarei sobre a piedade.
A piedade é o compromisso que assumimos para cumpir os deveres perante os familiares (pais e parentes), a religião (Deus, igreja e irmandade) e o país (civismo, patriotismo e proteção ao país). Cumprir deveres denota o nível de piedade que exercemos pela devoção, pela misericórdia e pelo entendimento sobre a missão cristã no mundo.
Para mim, a piedade está conectada ao sentido integral do desenvolvimento de nossas vidas. Logo após a conversão, a vida ganha o estatus de “nova” (2Cor 5:17), de “sensatez” (bom senso) e de “justiça” (verdade e liberdade). A fé em Cristo patrocina o nosso entendimento e atitude acerca da prática da piedade. Ser piedoso é agir fielmente com o compromisso dos deveres, é ser consciente do ministério confiado, é ser soldado em combate.
Sendo a vida integralmente o exercício da piedade, logo temos que demostrar as virtudes. Isso acontece quando revelamos nosso grau de envolvimento e compromisso com o ministério redentivo de toda a criação. O fruto do Espírito (Gl 5:22) se torna uma realidade em nós porque reagimos aos vícios. É a piedade que fará o nosso testemunho ser a verdade de transformação integral (corpo, alma e espírito).
Deveria existir o ministério da piedade, aquele que avaliaria o rendimento de cada um de nós no cumprimento dos deveres. Deveria haver maior divulgação dos testemunhos alcançados no seio da comunidade: a família que se rende ao sentido da cruz, os membros que se engajam fielmente ao desafio de transformar a cidade e o país que se orgulha em diminuir a corrupção e injustiças.
O mundo deveria enxergar, em cada um de nós, o propósito do porquê sermos compassivos com a causa de Cristo. Compaixão é o grau máximo de nossa prática de piedade. A crise em exercer a missão é porque os cristãos mudaram o rumo de seus compromissos. Voltaram a defender a prosperidade porque sentem-se confortáveis com as benesses materiais. A atual teologia da prosperidade é a máscara da impiedade cristã, pois falsifica uma atitude gerada pela ganância de posses do que de socorro ao próximo. A piedade tem perdido espaço nos púlpitos e nas dinâmicas da vida cristã, está, inclusive, enclausurada nos modelos de espiritualidade placebos. Vida sem piedade é o mesmo que frasco sem perfume, cristão sem cruz e missão.
A cristologia é uma disciplina da teologia sistemática cujo conteúdo principal é descrever a vida e obra de Jesus Cristo. A finalidade maior desse estudo não é defender as máximas dos teólogos, mas, sim, gerar em nós a potencialidade de que a salvação é redentora. É o poder de transformar, a metanóia (arrependimento, conversão e testemunho) responsável pela nossa participação no reino de Deus. Cada atitude a ser feita é uma prova de que nosso caminho é o da piedade. Nossas ações revelam uma cristologia de verdade, de possibilidades e de potencialidades, enfim uma cristologia de piedade.
Vejo mais impiedade praticada nos círculos de líderes que se autodenominam “mensageiros de Deus” do que nos que se comprometem em ensinar sobre a vida de Cristo em nós. Cristo é o conteúdo da piedade. Sem ele não realizamos o trabalho, gastamos nossas fontes de energia. Sem ele não oramos, balbuciamos frases de efeito em voz audível. Sem ele não nos comprometemos ministerialmente, apenas nos inscrevemos em tarefas cotidianas. É, pois, em Cristo que a piedade se torna essencialmente espiritual, revela-nos os arcanos (mistério) do consolo, do conforto, da justiça, da confiança e da própria fé. A piedade originada em nós por meio de Cristo sempre nos fortalece a fazer mais do que devemos – faz-nos ministerialmente aprovados por Deus e pela sociedade. É a piedade que nos dá discernimento para decidir com sabedoria! É a liderança piedosa (influenciar pessoas) que promove a presença cristã na sociedade e não a administração pastoral (designar funções).
Ser piedoso é seguir a Cristo, seguir a Cristo é ser cidadão. Cada um de nós, nascido em solo brasileiro, faz-nos automaticamente cidadãos. Há os que se tornam brasileiros por meio de naturalizações ou residência permanente, entre outros. O fato é que nós não temos um território que nos faz cidadãos de Cristo, a não ser o da representação imaginária (Fp 3:20a). Então nossa piedade cristã precisa ser entendida como o exercício de cidadania (Fp 1:27), ou seja, o ministério de ser piedoso na cidade. Sendo assim, entendo que o Brasil precisa de cristãos piedosos, ou melhor de cristãos que exerçam a cidadania piedosa. Então, poderemos pensar em ter uma cidade melhor.
Infelizmente, ouço pregações de líderes desmerecendo o exercício de cidadania piedosa, porque afirmam “aqui não é o nosso mundo”. Eles podem estar sofrendo de um lapso hermenêutico, pois qualquer prática do presente é que fará o reino do porvir. Falta-nos, então, a educação redentora para que nossa espiritualidade seja integralmente piedosa. É por isso que advogo uma formação teológica pastoral mais verossímil que dá sentido ao futuro da igreja. Pastorear é tornar o mundo a paróquia, parafraseando John Wesley, mas “pastar” é consumir a relva de nossas igrejas e torná-las infrutíferas. Precisamos investir em um outro tipo de formação pastoral, tipo a que dá valor ao cumprimento dos deveres. Precisamos formar pastores piedosos. Acredito que na escolha de um líder para pastorear uma comunidade, deve-se exigir a piedade como requisito de contratação. É como se o pastor fosse vocacionado ao exercício da piedade. Na verdade, o ministério cristão é uma vocação à prática piedosa e, nesse sentido, exercer a cidadania é ser vocacionado também.
Para responder à pergunta “Por que é difícil praticar a piedade?”, respondo: é difícil porque, infelizmente, voltamos à prática dos resultados sem a devida crítica. Julgamos o crescimento da igreja (que não tem acontecido) como ação do Espírito, mas não aceitamos que esse inchaço é decorrente da pesca em aquário alheio. Condenamos os políticos envolvidos em corrupção, mas ignoramos líderes evangélicos envolvidos em escandâlos também políticos. Falamos de pastores “ludibriadores”, mas não adotamos nenhuma exigência para a formação integral do pastor e nem aplicamos em sua educação teológica. Falamos da precariedade da saúde pública, mas corremos a ela quando não temos planos de saúde particular. O fato é que não cumprimos com o dever de ser missionário na família, na igreja e na cidade. Não estamos exercendo a piedade.
Minha esperança é a seguinte:
“Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente, aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus, o qual a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras (Tito 2:11-14)”.