Já observou que no mundo da vida, as estruturas são
decorrentes da ação humana de pensar? Sim, tudo surge porque cogitamos conhecer
das coisas. Vamos ao supermercado para comprar produtos, mas são as etiquetas
dos preços, dos valores nutricionais, das embalagens, das cores, enfim de todo
um arquétipo que nos faz refletir e tomar a decisão de adquiri-lo. Saímos de
uma cidade à outra, munidos da habilidade de dirigir um carro, mas são as
placas que nos fazem pensar que sabemos dirigir. Lemos notícias, estórias,
bulas, mensagens, tudo o que os sinais gráficos permitem ser decifrados e
decodificados, sejam em português ou em alguma língua estrangeira reconhecível,
mas é a produção de sentido que nos faz entender o significado dos enunciados.
Tudo é feito por causa do ato de pensar.
Na ideologia capitalista norte-americana de consumo, o
ato de pensar controla toda a trajetória da ação humana. Empresários,
propagandistas, psicólogos e economistas acionam o desenvolvimento de como o
ser humano age e reage diante de estímulos. Eles pensam por nós! A associação
de som e imagem encanta nossa mente, e a concretização do produto seduz o nosso
pensamento. Não desejamos consumir, somos ludibriados a desejar possuir. Não
precisamos de carro, somos levados ao sonho de se locomover. Não precisamos
estocar, somos conduzidos à imprevisibilidade do caos, da escassez e da privação.
Não precisamos poupar, somos fisgados pelo fascínio do lucro rápido. Não
precisamos investir, somos direcionados à especulação dos bancos. Não
precisamos dizimar, somos desafiados ao medo de sofrer o castigo divino. Não
precisamos evangelizar, somos forçados a entender o resgate da criação somente
através do envio de mensageiros. Não precisamos de Salvador, somos
etnocêntricos pelo único caminho de redenção. Não precisamos nos procriar,
somos mal-direcionados na compreensão da sexualidade. Não precisamos ser
educados, somos eternos aprendizes no crescimento e desenvolvimento humano. Há,
sim, outros que pensam por nós!
Passar um sinal vermelho é perigoso. Esta atitude nos
qualifica como infrator, incorrendo, inclusive, na categoria de não ser bom
motorista. Ir ao mercado e comprar só o que estava na lista é uma ação rara.
Mas sair do padrão dos produtos sempre adquiridos é mais raro ainda!
Transgredir é pensar por si. É sofrer as consequências de um ato soberano e
autônomo: a liberdade de decidir e direcionar-se por si. É o único poder que
temos e que podemos retomar a qualquer momento. Basta não permitir que outros
pensem por nós.
Em Teoria Crítica, há o conceito e o estudo do
pensamento crítico. Também chamado de autonomia, conscientização, liberdade,
crítica, emancipação, politização, etc... Tantos termos para um único ato.
Pensar por si é exercer o poder de ser autêntico. Será que somos produto dessa
ação de pensar por si, ou somos o resultado do que o mundo da vida quer que
sejamos? Somos cidadãos porque queremos ser ou porque nos induzem a ser?
Quero ser mais trágico. Separação é um evento que mexe
com todas as estruturas do pensar. Os seres humanos conseguem se adaptar no
movimento das separações, mas são inertes para pensar em se separar. Para
muitos, separar é não tomar decisões, é deixar o barco correr para ver onde a
maré vai parar. Somos nós que tomamos a decisão ou alguém que tomou por nós?
Sou eu quem quero casar ou é a sociedade em que vivo que me força a isso?
Afinal, como são conduzidos os atos do cogito humano, senão lidar com o ato de
se libertar?
A resposta é a seguinte: pensar por si consiste em
refletir sobre as causas e consequências da ação humana, tendo sempre a
liberdade própria de concordar, aceitar, rejeitar e discordar das triviais
assertividades. É, por exemplo, deixar de sofrer e passar a viver. É saber se
conduzir quando o imprevisto surge, optando sempre pela vivência – a autonomia
do ser.
Pensar por si é colocar o poder da criatividade em
ação. Na aprendizagem, deixamos o estágio da imitação e começamos o da criação.
Firmamo-nos em sólidos fundamentos de sustentação reflexivas – é quando o ser
humano se torna um reflexivo de si mesmo. A criação é o ato de pensar sobre os
problemas, resolvendo-os. É por isso que muitos seguem os líderes pentecostais
e neopentecostais midiáticos: são incapazes de pensar por si.
Pensar por si é inovar sempre o tradicional. É ir além
do conservadorismo, da ortodoxia e do zelo exacerbado. Rigorosidade nas
estruturas é a prova de que não há inovação. Liturgias nunca serão arcaicas se
forem atualizadas. Hinários nunca serão obsoletos se forem
contemporaneizados... "o velho é o espaço para o novo surgir" (ECP).
Ignorar o antigo é rejeitar o ato de fazer-se novo. O atual não existe sem o
anterior, e o presente é a dinâmica refletida do passado.
Pensar por si é conscientizar-se do ato de revolução.
É a ação transformadora do mundo. Não é a economia, nem a política e muito
menos a administração que farão revolução na sociedade. É o ato de pensar por
si que demonstrará o poder de cada criatura: corpo, alma e espírito em unidade
para a reconstrução social. É o sentido da fé que move a incredulidade
farisáica.
Pensar por si é identificar-se nos cogitos alheios. É
pensar em comunidade, é associar-se aos avanços do grupo, cujos padrões foram o
do consenso e o da verdade. Não são ações partidárias que definem a sociedade
justa e solidária, mas o que cada criatura pensa por si e se agrupa para mover
tais ideais em harmonia.
Os jogos de quebra-cabeça, lógica, passatempo,
cálculos etc são exercícios do pensamento crítico. Leitura de poesias também.
Não pense por imitação, pense por criação. Pense por si! É por isso que
acredito em educação como um ato de pensar por si.