Todos nós temos refúgios que servem como lugares de segurança, tais como: bancos, presídios, Quarto do Pânico (filme, 2002), castelos fortes, etc. Refúgios são criados para gerar o sentido de segurança. Refugia-se para obter proteção dos ataques, e refugia-se para não se revelar. Existe, sim, ideias de mistério e segredo sempre que se adentra ao refúgio. O quarto em que diariamente dormimos é um deles!
O quarto é o lugar em que se libera os pudores. Tranca-se a porta e as janelas. Desnuda-se. Admira-se no reflexo do espelho. Julga-se as formas, as curvas, os pelos e até mesmo as saliências adiposas. A sós ou acompanhado, as intenções pudicas deixam de existir. O quarto também é o lugar do descanso, de relaxamento e de recuperação das energias. Nada é mais revigorante do que um leito especialmente preparado para um corpo fatigado: sereno, temperatura ambiente, escurecido, quieto e limpo. Enfim, o quarto é o refúgio do dia-a-dia.
Há outros refúgios mais contemporâneos. O mais famoso deles é a internet. Cria-se uma conta segredo e, como usuário alterado, coloca-se textos, imagens e conecta-se às redes sociais. Blogs são visualizações convencionais dos segredos. Erotismo e pornografia não são segredos, mas revelações dos vícios e prazeres. É pela internet que descobrimos outros quartos: bate-papos, rede-sociais, compras, prostituição, identificação de gêneros humanos e literários, jogos, etc. A internet é o refúgio dos que já se frustraram com os quartos convencionais.
Mas o maior refúgio de todos é a alma. É nela que guardamos os segredo jamais revelados. No mundo grego, a psiche era formada pelos órgãos da mente (cérebro) e pelo coração (emoções). Apreciava-se a relação entre o racional e o emocional, entre a cognição e as paixões. Há, nos seres humanos, um eterno conflito entre esses dois departamentos. É como se pudéssemos dizer de um divórcio entre a psicologia e a teologia! A psicologia entende a dinâmica da alma como autocompreensão, a busca da essência na vivência e experiência, o porquê dos sentimentos sem razão, análise sobre a intensidade dos conflitos vividos em situações de relacionamento, conquista pessoal e medos. Já a teologia, sem qualquer pudor, dogmatizará as relações de conflito como pecado e ou manifestações demoníacas a ponto de saturar a decente teologia da cura da alma.
A alma se torna refúgio porque ninguém pode adentrá-la, exceto a própria consciência. Nesse sentido, buscar o auto-entendimento é a cura! Deve-se tomar cuidado com os pseudo mini-cursos e palestras de cura interior. O cuidado da alma se dá em várias sessões de análise. Não é uma simples oração, mas muitas delas! Não é só uma conversa pastoral, mas muitas conversações de aconselhamento. A alma é, sim, um mundo de magia, mas não é por meio de uma oração mágica que os conflitos se resolvem. A alma é a que fantasia a realidade para que não haja a morte. É admirável a extensão das clínicas em especialidades psicoanalíticas sobre os problemas da alma. É lamentável o reducionismo que os líderes religiosos fazem com o sentido da alma na espiritualidade cristã. O equilíbrio é a medida terapêutica provinda da teologia, com a máxima de nos aproximar do amor e perdão de Deus, e da psicologia, com a vertente das relações consigo mesmo e com o próximo. Esse casamento resultará no benefício da alma, fazendo cada ser humano sentir-se integralizado.
Clínicas e comunidades deveriam oportunizar os ambientes do cuidado da alma através de excelentes sessões sistêmicas, principalmente as de terapia de casal e família. Adolescência se torna um período de rebeldia porque a família deixa de ser referência de cuidado e passa a ser referência de julgamentos e proibições. Relacionamento conjugal deixa de ser romântico (emoções) e passa a ser político-econômico (racionalidades) e, fortuitamente, entra na dinâmica das frustrações, desamor e feridas da alma: "ele tem outra" ou "ela está se arrumando demais". O perigo das particularizações é notória nas atuais sessões, enquanto as generalizações não produzem bem algum para alma. Atualmente, vê-se mais modismos em cultos de exorcismos, ou retiros de experiência, ou ainda métodos de aconselhamento e terapia para a solução dos estigmas sociais do que unicamente a alma. Um adolescente que está ainda por descobrir a sexualidade não consegue racionalizar o sentimento, apenas ele mesmo sabe o que sente. Já a família quer padronizar o comportamento, sem se importar com o sentimento. O duelo só é mais conflitivo porque não pais, igrejas e clínicas possuem as armas. O adolescente não. Ele será, sim, aniquilado. Por isso quem refugia-se na alma enquanto adolescente, na fase adulta o sofrimento é bem maior: cada dia destrói-se sem ver esperança.
A solução, a princípio, é a proposta do homem-Deus e do Deus-homem, Jesus, quando disse: "Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?" [Mateus 16:26]. O contexto é de Jesus conversando com Pedro e alguns discípulos sobre o custo do discipulado. Do ponto de vista literário, trata-se de um dito de sabedoria – aqueles ditados que conversam com a consciência. Essa é a dinâmica da destruição da alma: ganhar o mundo, possuir as pessoas, extrapolar o nível das adrenalinas e das toxicinas, expropriar-se do próprio corpo ou adorá-lo, atingir o nirvana sem escrúpulos, ser hedônico, extravasar nos pudores, matar-se nos vícios. Mas é alma que garante a realização infinito de todos os desejos humanos. Esse investimento nunca será apresentado pelas estruturas do mundo, nem da religião, mas da alma de cada um!
Curar a alma ou liberar-se dos segredos que oprimem é investimento! Portanto, deve-se investir no quarto. A primeira sugestão é realmente saber sobre a intensidade do segredo: "Toda emoção é sexualmente sentida. Toda cognição é racionalmente elaborada. Logo, ou eu não sinto ou eu não entendo" (ECP, notas pessoais)... "Não adianta dizer que mastubar-se é pecado, racionalmente há esse ato cada dia. Não adianta emocionalmente ficar excitado, a celebridade não me dará chance" (Ibdem). O investimento no quarto é saber que ele não deve ser realmente o esconderijo, mas o descanso. Arrombar a fechadura é desvelar-se do segredo. Nada há o que fazer senão assumir a verdade – nesse momento, o segredo se torna cognoscível e o refúgio se torna habitável por todos. Negar a verdade é querer assegurar o quarto como segurança. Só que haverá mais fechaduras – nesse momento, abre-se para a vulnerabilidade e a fuga por uma das janelas é inevitável.
A segunda sugestão é construir-se de elementos indestrutíveis, tais como: a integridade. É percorrer um caminho que em nada haja amargura, rancor, ódio, desavenças, traumas, injustiças, etc. É investir na própria resiliência – capacidade de suportar o sofrimento – e ainda tornar-se mentor de outros. A integridade fortalece o ser enquanto essência abençoada, isto é, sempre fala-se bem de cada um de nós! Ela qualifica o caráter do indivíduo como algo que irá superar qualquer defeito: o que você é se torna tão grande que não se pode ver ou ouvir o que você disse ou fez. Integridade é um dos refúgios mais tranquilos de sentir-se humano, nenhuma força maligna quebra essa fechadura.
A terceira sugestão é a sociabilidade. Não significa confiar em alguém para compartilhar seus segredos, mas ter um número razoável de conexões que dê sustentação ao seu ser, tais como: companhia, amizade, eventos, viagens, jogos, esportes, passatempos, etc. É saber como a rotina do estilo de vida determinará a satisfação pessoal. Isolar-se é tornar a alma vulnerável e susceptível aos ataques do mundo não-socializado. É ainda ter qualidade de vida e proporcionar vida à qualidade de outros.
Cuidar da alma, então, é cuidar da razão e da emoção – não importa o certo ou errado, importa que sentir é faculdade da alma, e cuidar dela é conscientizar-se sobre a harmonia de si. Achar-se que sentiu errado é condenar-se. Todos sentem loucuras, mas é a razão que nos dá o limite de colocar em prática o sentimento. O que vem acontecendo ultimamente é que não admitimos o que sentimos e, por causa de imposições racionais dogmatizadas, fingimos entender o porquê desse sentimento. É assim que começa a doença da alma...
Por isso deve-se crer que quem lê poemas está cuidando da alma, e não porque é "delicado". Quem lê a Bíblia está tentando encontrar a harmonia de si, e não provocar prévio julgamento. Quem ouve o Espírito está visualizando a fortaleza e a fraqueza do quarto e demais refúgios, e não vestindo capas e máscaras de santidade. Quem cuida de si é fortemente habilitado para exercer a alteridade, e não vangloriar-se de fingidos sucessos. Quem constrói quartos está preocupado em manter-se seguro apenas e até para receber outros, e não para achar-se que vai ser atacado. A alma é a única composição que permanecerá eternamente!