domingo, 24 de março de 2013

Passa-se o tempo


Contratempo é um aviso de uma vida agitada. Ele acontece justamente quando não se espera a perda de tempo. Em geral, não há paciência, não há compreensão e nem “simpatia” com a adversidade. O contratempo é um desastre: só técnicos da tragédia é que podem lidar com ele. Chegar atrasado a um encontro, por exemplo, pode significar a perda do contrato, do relacionamento e da fidelidade. A justificativa é um álibi para provar ao contratempo que a vida precisa de ações misericordiosas. Infelizmente, a sociedade não gosta de justificativas e nem de abonos. Há instituições que preferem agir com impiedade porque não querem compreender como a vida das pessoas está se encaixando nos padrões sociais. Diariamente queremos vencer o tempo, mas, na verdade, estamos vivendo contra o tempo. 

Uma doença é a mazela de que o tempo deixou de marcar o progresso da vida para iniciar a morte. Ninguém sobrevive à doença senão aderir firme à fé escatológica e esperar pela eternidade. A doença deixa de ser contratempo quando a nova vida ressurge em cada transcendência do próprio tempo. É a metáfora da fênix, da fertilidade, da essência, do espírito. Somos sementes da esperança lançadas no tempo para germinar e dar sentido ao mundo, a célula seminal de que a vida é eterna. O corpo sempre morrerá, mas a psichē viverá porque germinará no infinito do pensamento.

A idade é o marcador de tempo que não se recupera mais, ela é quem gerencia a longevidade e a brevidade dos acontecimentos. Mente-se a idade para dar alívio ou esconder os contratempos de viver mais ou menos. Quem se engrandece seguramente da idade que tem, assim o faz e confunde os anseios e desejos de quem não sabe entender a dinâmica do tempo. Por isso, há quem antecipe o sofrimento para dizer que a velhice é a aposentadoria de inconformados com a ausência de sentido para a vida.

A sexualidade não se refere à idade do sexo. Ela surgiu justamente do encontro dos sexos que fecundaram o ser da existência: eu, você, ele, ela, nós, vocês, eles e elas. A sexualidade se torna contratempo quando os “prós” são anulados, ou seja, os pró-nomes, as pró-vidas, as pró-atividades e as pró-idades. Talvez a rejeição dos “prós” não seja só discussão política, determinante do poder. Nem dos aglomerados sociais, referente às funções que se ocupam nos grupos. Muito menos dos discursos ideológicos, reinantes nas comunidades religiosas. E de longe será por embargos econômicos, baseando-se na relação de produção, comércio e trocas. Ela é contratempo porque se opõe à padronização de cada um destes já citados. É, sim, contratempo porque emergiu da solução que cada um encontrou para sobreviver. E, nesse sentido, a fé se torna libertadora quando dá sentido de inclusão à idade do sexo.

Há necessidade de gostar dos contratempos. Eles ajudam diariamente a refletir “além do tempo”. Dá-se sentido à busca de realizações, dá-se significado às libertações e dá-se responsabilidade aos agentes de transformação.