Uma das maravilhas divinas sobre a raça humana é que cada um tem a capacidade de devanear. Sonhar é colocar a imaginação em funcionamento. Não precisa fazer conexão com a realidade , apenas imagina-se sobre ela. No sonho, tudo é possível: voar, trasladar-se, emitir feixes de luzes das mãos, dar vida aos seres inanimados, transmutar-se, rejuvenescer-se, amadurecer, ser macho, fêmea, anjo, demônio, falar com animais e retransformar o próprio sonho sonhado.
Sonhar é fantasiar, é iludir-se com a imaginação da realidade transformada. É encher-se de ideias que jamais vão acontecer. É gerar a esperança de uma ética de redenção na educação, na saúde e na política. Sonhar é acreditar que há ainda salvação integral. Sonha-se porque a felicidade está distante ou ausente. Fantasia-se porque até as quimeras estão no caos. Ilude-se para autoenganar-se. A donzela sonha com o príncipe encantado. O mancebo imagina possuir um harém. Os excluídos fantasiam-se em encontrar uma sociedade só deles.
Sonhar é brincar de ser Deus. É desejar ser soberano, absoluto. É reinar com o cetro de austeridade e com o poder da palavra transformadora. É pronunciar Yehi Wayehi ou até mesmo o famoso Pirlimpimpim. É dar asas à imaginação do abracadabra e ver o devir de cada objeto no cenário histórico. É ser criança e entrar na dinâmica do faz-de-conta. Brincar de ser Deus é sonhar com a missão de restaurar a criação.
Sonhar é realizar milagres - em todos os níveis: curas, exorcismos, fenômenos naturais, etc. Mas nada tem a ver com os discursos religiosos atuais. Um milagre nunca é instantâneo. Ele sempre advém de uma caminhada pautada na fé. Realizar milagres é descrever os processo da esperança, do amor e da fé. Milagres não se realizam com uma única oração - mas com a diversidade dela: súplica, clamor, intercessão e outras. Sonhar milagres é fazer acontecer a educação, a misericórdia, a inclusão e as virtudes.
Sonhar é servir a humanidade como profeta. É receber e enunciar profecias - não essas que dizem Deus me deu um sonho! - mas as que são recheadas com a utopia messiânica, ou seja, profecias capazes de conscientizar a todos em prol de ações revolucionárias (transformadoras). Ser profeta com sonhos é falar da imagem do futuro para que seja antecipada no presente. É ainda o sonho de superar a própria democracia e viver sob o prisma da alteridade para que a posteridade seja eterna.
Partidos políticos têm feito os sonhos morrerem. Eles distorcem o sentido do sonho com projetos que não geram a esperança. O sonho deles é o da propina e do tráfico de influência... Os líderes eclesiásticos também assassinam o sonho, com pregações apelativas de aderir à construção do templo de Salomão, com a manutenção de programas na mídia, com os movimentos de marchar para Jesus e com os pregadores-cantores pop-stars. O sonho deles é o da prosperidade, um discurso estratégico fortemente diabólico.
É por causa das distorsões do sonho que a maioria de nós se delicia com o de creme, goiabada ou doce-de-leite.
